DEUS INTERVÉM NA NATUREZA |
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CONTRA A NATUREZA ?
A EXPLICAÇÃO TRADICIONAL - Santo Agostinho, no século IV, recolhe dos Santos Padres (SS.PP.) e primeiros Escritores Cristãos (EE.CC.) o verdadeiro conceito deste tipo ou classificação de milagre: seria absurdo afirmar que Deus agiria contra a natureza. Como afirma o santo, só o preconceito dos ímpios, a falta de inteligência dos débeis e -acrescento- a irreflexão ou lavagem cerebral sofrida pelos "modernizados" saem dos trilhos: "Para a lei soberana da natureza, elevada por cima da inteligência dos ímpios e dos débeis, Deus não pode agir contra ela pois seria agir contra Si mesmo". Os milagres "dizemos que são contra a natureza, mas (...) o prodígio é feito não contra a natureza, senão contra aquilo que é conhecido na natureza". As últimas palavras da frase original de Santo Agostinho ("contra quam est nota natura") são de difícil tradução literal. E muito freqüentemente foi mal interpretada e, portanto, indevidamente citada pelos racionalistas e seus seguidores. *** Na trilha aberta por David Hume, por preconceito uns, irrefletidamente outros, consideraram que a frase do santo e sábio bispo de Hipona significava uma afirmação de que Deus modificaria (?), inclusive corrigiria (!?) as leis que Ele mesmo estabeleceu. --- Estas interpretações erradas raiam os limites da blasfêmia. RETA EXPLICAÇÃO - Por todo o contexto Santo Agostinho refere-se na realidade a Outra Força, divina, agindo por cima e fora das leis da natureza: supra-normal. E assim o explica Santo Agostinho em numerosas outras passagens. Por exemplo: "Chamam-se coisas admiráveis (= miracula, milagres), quando Deus faz qualquer coisa fora e contrária ao curso conhecido e habitual da natureza". E como prevendo as tergiversações dos racionalistas e seus seguidores, no mesmo sentido traduz e glosa até insistentemente aquela frase agostiniana, nada menos que o insuperável Bento XIV: de acordo com "Santo Agostinho (...), pelo costume humano se diz que é contra a natureza aquilo que é contra o usual da natureza conhecido pelos mortais (...). Deus, porém, criador e conservador de todas as coisas naturais, nada faz contra a natureza (...). D'Ele procede todo equilíbrio, medida e ordem da natureza". Dez séculos após Sto. Agostinho também Santo Tomás insiste e explica muito claramente o verdadeiro significado da expressão contra a natureza: Tal "milagre se diz contra a natureza, sendo que na natureza permanece uma disposição contrária ao efeito operado por Deus; como outrora (Deus) conservou ilesos os jovens na fornalha, permanecendo puro no fogo o poder combustivo; ou como em outra oportunidade a água do Jordão se deteve (por poder de Deus), mas permanecia nela a lei da gravidade". CONFIRMAÇÕES - Partindo do ensinamento da Sagrada Escritura e da tradição judaica, um grande pensador judeu medieval, Saadia Gaon (882-942), coincide exatamente com a explicação transmitida por Santo Agostinho e confirmada tradicionalmente. Saadia muito inteligentemente prova que o milagre é uma intervenção excepcional de Deus na natureza. E insiste, também muito acertadamente, em que os milagres são (o sinal) para justificar a veracidade da doutrina ensinada pelos profetas. O perfeito conceito de milagre, de Saadia, como sendo uma intervenção excepcional e direta de Deus, lamentavelmente foi exagerado e generalizado entre muitos judeus. E tal exagero ou generalização era e é comum e tradicional principalmente entre os muçulmanos asharitas. O universo, todo inteiro, seria governado, instante por instante, pela ação onipotente de Deus. Não haveria lei nenhuma da natureza. Tudo na natureza seria ação contínua e direta de Deus. Já na segunda parte do século XII, Maimônides, ao comentar a Mishnah (coleção e síntese das opiniões dos antigos rabinos) levará os pensadores e o povo judeus ao conceito de milagre que Saadia acertadamente defendeu. E, também como Saadia, Maimônides defende que é o milagre que faz razoável aceitarmos a Revelação: "A Religião nos fez conhecer algo que somos incapazes de conceber, e o milagre testemunha o que acreditamos". São o conceito e finalidade mais profundamente bíblicos, patrísticos, tradicionais, o mesmo conceito que acima vimos exposto por Santo Tomás a partir de Santo Agostinho e comentado por Bento XIV. Sem o exagero judaico e muçulmano, isso é o milagre. O milagre não nega a natureza. "O milagre está fora da natureza e da lei" (em frase de Santo Agostinho), e por isso -na classificação que agora frisamos- no milagre contra a natureza o efeito da ação de Deus pode ser contrário ao efeito que a natureza faria se fosse ela que agisse naquela ocasião. Pe. Oscar G. Quevedo S.J. |