Cabala

 Introdução

No século XV, apareceu na Europa, um livro de origem hebraica intitulado “Qabbalah” (tradição), que pretendia conter as tradições esotéricas do povo judeu. Estes conhecimentos transmitidos de pais para filhos pelos rabinos, permitiriam conhecer os mistérios transcendentais da criação e, mediante um complicado ritual, alcançariam o domínio da natureza. Revela-se aqui, sem nenhuma dúvida, o caráter essencialmente ocultista da cabala.

Embora a cabala estivesse até esse tempo reservada aos hebreus, a partir da difusão da obra citada, começou a interessar também aos humanistas cristãos, atraídos pelo aspecto secreto do caráter judeu e convencidos de que a sobrevivência desta raça que ainda se manteve por tanto tempo, depois de terem desaparecido os outros povos da antiguidade, devia-se aos conhecimentos sobrenaturais que possuía.

 Da mesma maneira, o crescente interesse dos eruditos pelos ensinamentos esotéricos hebraicos viu-se estimulado pela busca de um sistema filosófico que os libertasse das restrições impostas pela escolástica. E descobriam esse sistema na cabala.

 O primeiro cristão que se dedicou a colecionar manuscritos judaicos foi o italiano Pico della Mirandola, que depois de aprender gramática judaica e o Talmud, estudou a cabala assessorando-se de mestres judeus (fins do século XV)

Seu sucessor mais importante foi Joan Reuchlin, que conheceu seu mestre durante uma viagem  que fez pela Itália em 1490. Reuchlin escreveu uma gramática e ortografia hebraicas e duas obras célebres sobre a cabala. (“De verbo Mirifico”-Viena, 1494 e “De Arte Cabalística”-viena, 1517)

 Cornélio Agripa também destacou a cabala, que considerava como uma parte da magia natural até então abandonada. Em sua obra principal, “De Philosophia Occulta”, expõe a cabala-verbo, as operações maravilhosas realizadas com os anagramas hebraicos, os quadros mágicos e os nomes dos anjos que são descobertos pelo cálculo. Entre os cabalistas ingleses, o mais importante foi Robert Fludd. Tentou, como Pico della mirandola conciliar o platonismo e o aristotelismo. Buscou identificar as dez esferas de Aristóteles com os dez “sephirots” da cabala. Suas obras (“SummumBonum” –Londres – 1629 – “Filosofia Mosaica” – Londres -1659) constituem tanto uma apologia da fraternidade Rosa cruz que já tinha aparecido (início do séc XVII) como uma defesa apaixonada da alquimia, da magia e da cabala. Como os sábios judeus, acreditava que a doença é causada pelos demônios e seu livro sobre o mistério das doenças está baseado nesta convicção.

 O movimento cabalístico dos humanistas atingiu seu apogeu quando começaram as traduções dos textos fundamentais da cabala hebraica. Primeiro foi Stephan Rittangel que publicou em 1642, sua versão latina do “Sepher Yetzirath”, mas a obra de maior transcendência, a que constitui fonte obrigatória de consulta para todos os estudiosos do tema foi “Kabbala Denudata” (cabala desvendada), escrita por Knorr Von Rosenroth em 1677. Esta obra compreendia, em tradução latina, três dos mais antigos fragmentos do “Zohar” e um extenso comentário sobre seu sentido transcendental.

 Origem histórica da cabala hebraica

 Embora os cabalistas garantissem que seus conhecimentos remontavam aos primeiros homens criados por Jeová, parece existirem poucas dúvidas de que a origem da cabala deva ser situada na época imediatamente anterior ao advento de Cristo.

Cento e cinqüenta anos antes de Cristo já existia em Israel uma cosmologia fundamentada na interpretação das letras dos textos sagrados. Também é provável que, embora  a lei mosaica impusesse o texto escrito, os sacerdotes judeus observaram as tradições orais, como costumavam fazer seus colegas dos povos vizinhos. A exist~encia desta tradição empírica, paralelamente à letra das escrituras, começou a partir do comentário que fez Esdras, lembrando que Jeová havia dito a Moisés: “Estas palavras tu as transmitirás e estas tu as ocultarás”.

 Quando houve a segunda destruição do templo de Jerusalém (ano 70, por obra das legiões romanas comandadas por Tito) e também os primeiros movimentos da emigração dos judeus(diápora), que abandonaram a Terra prometida, espalhando-se pelo mundo, teve lugar um progressivo afastamento da lei mosaica, que foi sendo substituída pela cabala. 

É nesta época que o rabino akiba escreve o “Spher Yetzirath” e seu discípulo, o rabino Simão Bem Yohai, o “Zohar”. Estas obras constituíram a primeira síntese escrita dos princípios que, até então, os iniciados tinham transmitido em forma verbal. Não há muita certeza, porém, de que estes livros datem realmente desta época e muitos os colocam quase dez séculos depois.

Nos séculos seguintes, a cabala recebe diversas correntes de influencia.

Em primeiro lugar, estabeleceu-se uma conexão com a filosofia neoplatônica e especialmente com a noção platônica do mundo das idéias, como intermediário entre o mundo do inteligível e o mundo do material. Daí nascerá a teoria cabalística dos “sephirots”( degrau mais próximo a Deus, rodeiam a divindade como as lâminas rodeiam o bulbo da cebola) , manifestações de Jeová na criação, estranha para a antiga teologia do povo hebreu.

Tomarão também da filosofia grega, a concepção da construção do universo por meio dos números e das letras. Recordemos que Pitágoras tinha sido o principal defensor dessa tese e que Platão. No “Tmeo”, aborda afirmações semelhantes. Os filósofos neopitagóricose neoplatônicos consideravam os números e as letras, como seres divinos, dotados de poderes sobrenaturais. Tal concepção constituirá uma das partes principais da cabala renascentista.

Outra influencia muito importante que recebe a cabala, nos primeiros séculos de nossa era, é a do gnosticismo, que defendia que os livros sagrados deviam ser tomados como fontes do conhecimento esotérico superior. O fim principal dos gnósticos era a salvação do homem, mediante um conhecimento intuitivo e completo da natureza, conseguindo desta maneira os caminhos maiores da sabedoria. Esta afirmação será repetida pelos adeptos das especulações cabalísticas.

Finalmente, depois das conquistas árabes do século VII, os hebreus, contagiando-se com as crenças pagãs dos povos idólatras que tinham vivido ao redor da Palestina, impregnaram-se da magia e teologia orientais. Provavelmente, seu contato com o misticismo árabe reavivou o pensamento mágico, que se manteve latente neste povo oriental, durante os séculos de imposição da lei mosaica e sua proibição de atividades mágicas.

Por outro lado, as relações entre judeus e gentios que habitavam as comarcas onde eles iam instalar-se, não eram fáceis. Rejeitados, e inclusive, perseguidos muitas vezes pelos cristãos, os judeus optaram por se fecharem no estudo de seus textos sagrados e racionalizaram seu isolamento, considerando-se os únicos possuidores do conhecimento secreto do universo. A cabala cumpria admiravelmente estes fins, pois afirmava que as verdades transcendentais podiam ser obtidas pelo exame detido das Sagradas Escrituras , onde Deus havia escondido esse conhecimento para que o povo escolhido pudesse utilizá-lo.

Chegamos assim aos séculos XIII e XIV em que aparecem as primeiras obras sobre a cabala, circulando fora das mãos dos judeus. Muitos historiadores, inclusive, consideram que foi nesta época que se escreveram o “Sepher Yetzirath” e o “Zohar”, já que encontramos neles muitas idéias de clara filiação gnóstica, neoplatônica ou estóica, que provavelmente surgiram nos séculos posteriores ao séc II de nossa era quando chegaram os rabinos Akiba e Simão Bem Yohai, possíveis autores originais desses escritos.

Os livros cabalísticos dos séculos XIII e XIV surgirão, em sua maior parte, da pena de estudiosos judeus instalados no sul da França. Descendiam da tribo de Isacar (o Isaac) e, segundo a Bíblia possuíam o “Dom profético”. Não foi casual que Nostradamus, o adivinho mais famoso de todos os tempos, tenha nascido precisamente em Provença descendendo dessa tribo hebraica. As duas personalidades mais importantes dos estudos cabalísticos deste período foram Isaac, o cego e Isaac Lorin.

Em definitivo, a cabala se nos apresenta como uma integração entre as antigas crenças religiosas do povo hebreu e as concepções do neoplatonismo, o gnosticismo e outras doutrinas orientais de orientação mágica. Naturalmente, não podemos dizer que esta mistura fosse fácil, pois os princípios dos textos religiosos judaicos eram bem diferentes do das outras filosofias. Os cabalistas enfrentaram o problema de admitir as formulações desta última sem violentar as Escrituras e a solução que encontraram foi a de ler nos livros antigos o que eles queriam e depois afirmar que tais idéias estiveram escondidas nos textos, desde o início dos tempos, por vontade de Jeová. Para comprovar isto, recorreram a diferentes meios como, por exemplo, o de mudar o valos das letras ou também o de substituir uma letra por outra. Desta maneira, formaram-se novas palavras e liam-se novas idéias.

Este procedimento servia para os fins mais diversos. Na realidade, já havia sido usado para a interpretação do Talmud. Por outra parte, não difere muito das técnicas bibliomânticas da magia. A cabala “prática” não é outra coisa que a magia, esforçando-se por obter efeitos maravilhosos pelo poder da palavra.

Origem lendária da cabala hebraica

A origem histórica que apresentamos coincide com o que a própria cabala ensina. Ainda que entre os cabalistas existam diversas versões, em geral, todas coincidem em que os princípios da cabala foram adquiridos pelos primeiros homens diretamente de entidades superiores.

Segundo uma primeira versão, as verdades da cabala foram ensinadas por Jeová a um grupo seleto de anjos que fundaram uma escola teosófica no paraíso. Após a Queda, estes anjos transmitiram o conhecimento a alguns homens para dar-lhes o meio de voltar à sua felicidade anterior. Assim, foram passando de geração em geração, até chegarem a Noé e deste a Abraão. No Egito, Abraão comunicou parte do que sabia aos egípcios e por este motivo este povo distinguiu-se na antiguidade por seus conhecimentos mágicos. Moisés, que aprendeu toda a sabedoria do Egito, foi iniciado, obviamente, nos segredos da cabala e teve a oportunidade de aprofundá-los durante os 40 anos do Êxodo na península do Sinai. Ali praticou constantemente e além do mais recebeu ensinamentos especiais de um anjo. Coma ajuda da magia cabalística, Moisés pode resolver todas as dificuldades até chegarem à Terra Prometida e, então, assentou os princípios da doutrina secreta nos primeiros quatro livros do Pentateuco. Também iniciou a 70 anciões e estes transmitiram seus conhecimentos por tradição verbal direta. De todos os sucessores de Moisés, Davi e Salomão foram os que mais dominaram a doutrina secreta.

De acordo com outra versão, os anjos, iniciados na magia, ensinaram seus segredos aos homens, atraídos pelas mulheres da terra. A luxúria foi o que os fez cair e a que causou a propagação dos segredos da sabedoria e a profanação dos mistérios das ciências. O livro de enoch, que data do 110 a.C, e que constitui um dos textos fundamentais  da doutrina gnóstica, descreve estes fatos da seguinte maneira:

“Os anjos caíram do céu para amar as filhas da terra. Estas, possuíam uma grande beleza e quando os anjos, filhos do céu,as viram, sentiram uma paixão extraordinária e se excitaram uns aos outros repetindo:”vamos e escolhamos esposas da raça humana; com elas geraremos  povos seletos”. Seu chefe, Samysa, disse: “não vos precipiteis sobre uma decisão semelhante, de outro modo eu ficarei como único responsável por vossa queda”. Responderam-lhe: “estamos decididos e não nos arrependeremos”. E duzentos anjos desceram sobre a montanha de Armon. Foi então que a montanha recebeu esse nome, Armon, que quer dizer juramento. Estes duzentos anjos tomaram esposas, com as quais se uniram, ensinando-lhes a magia, os encantamentos e a divisão das raízes das árvores. Amazarac ensinou todos os segredos dos encantadores; Barkaial foi o mestre dos observadores dos astros; Akibeel revelou os sinais e Azaradri os movimentos da Lua”.

Talvez a lenda mais conhecida é aquela segundo a qual o anjo Raziel entregou a Adão o primeiro livro cabalístico e, graças à sabedoria nele contida, pôde, o pai da humanidade, suportar a dura queda e a perda do paraíso terrestre. O livro de Raziel foi transmitido a Salomão e graças aos conhecimentos que possuía Salomão subjugou a terra e o inferno.

Segundo alguns cabalistas, o “Sepher Yetzirath” foi escrito por Abraão; para outros foi obra de Moisés que, no longo período que permaneceu no cume do Sinai com Jeová teria recebido de deus a chave mística das escrituras. Ao descer do monte, ter-se-ia limitado a transmitir ao povo hebreu o decálogo e as normas gerais, reservando-se o outro conhecimento para transmiti-lo a um grupo de eleitos.

Em geral, todos estes relatos representam de uma ou outra forma a história do pecado original de Adão, embora sempre admitam a existência de um conjunto de “verdades

 Transcendentais” que teriam sido possuídas por alguns iniciados. É interessante destacar como, nas diferentes versões, vinculam-se à cabala as personalidades históricas hebraicas que adquiriram maior prestígio por seus feitos ou sabedoria (Abraão, Moisés, Davi, Salomão). Apesar de que, segundo a versão hebraica, estes personagens não teriam possuído poder pos sí mesmos, mas somente como instrumentos de Deus. É notável como os judeus  não puderam fugir ao pensamento mágico então reinante e terminaram criando em torno de si uma auréola de poder mágico, segundo a qual suas ações não se deveriam à vontade de Jeová, mas aos segredos que conseguiram obter e manejar de acordo com sua vontade humana.

 A cabala dogmática

 Compreende a parte doutrinária, a teoria e os princípios. Era constituída pelos quatro tratados: “Sepher Yetzirath”, “Zohar”, “Sepher Sephirot” e “Asch Metzaraph”,

O Sepher Yetzirath (livro da formação) ensina a existência do deus único mostrando que, entre a variedade e a multiplicidade, existe a harmonia e uma unidade que não podem derivar senão do Coordenador Único. Diferentemente da Bíblia, o Sepher Yetzirath afirma que Deus forma o universo, não do nada, mas a partir dEle mesmo. Deus é a matéria e a forma do universo. Tudo existe nEle; está no âmago de todas as coisas e de todos os seres, que levam o sinal de sua inteligência. O Todo, Deus e Universo, formam uma unidade perfeita.

O Zohar (livro da luz) começa com o livro do mistério oculto que se inica com estas palavras:”O “Livro do Mistério Oculto” é o livro do equilíbrio, do balanço. Que significa isto? Equilíbrio é a harmonia que resulta da analogia dos contrários, é o centro morto onde, na oposição de forças opositoras, sendo iguais em magnitude, o descanso sucede ao movimento”.

Neste parágrafo está, talvez, a chave do Zohar. A busca da unidade, da harmonia, na multiplicidade caótica do universo. Vejamos como o Zohar concebe esta coordenação.

O elemento mais sublime que a inteligência pode captar é a divindade, concebida como existência absoluta. O primeiro degrau, o mais próximo a Deus são os “dez sephirots”. O segundo degrau constitui as dez formas originais das coisas criadas e também a doutrina sagrada. O terceiro está representado pelos modelos suprasensíveis do mundo material, os anjos e as almas humanas futuras. O quarto e o último degrau corresponde ao mundo dos seres e das coisas materiais.

Os “Spiruth”, sephirots ou esferas, rodeiam a divindade com oas camadas rodeiam o bulbo da cebola. Os dez sephirots estão contidos em Adam kadmon, o “homem primordial”, a quem São Paulo parece aludir quando diz: “Deus criou um Adão celeste no mundo espiritual e um Adão terrestre de barro para o mundo material (1 Cor 15,47) . Também Platão e Zoroastro expressaram a opinião de que as coisas e os seres existiam com oconceitos antes de terem sido criados materialmente. Mediante a noção de Adão Kadmon, os cabalistas queriam representar os primeiros homens e não necessariamente o primeiro indivíduo da espécie. Existem dez sephirots que são também a forma mais abstrata dos dez números da escala decimal e, portanto, como na matemática pode conceituar-se os números em seu sentido abstrato, na cabala raciocina-se a divindade pelas formas abstratas dos números. Deus é irrepresentável por via de imagens e somente pode ser pensado desta maneira.

Nove dos dez sephirots estão agrupados em grupos de três sephirots cada um: o da alma, dotado de razão; da alma sensível, dotado de vontade e o da alma como elemento vivificador dos corpos. Portanto, para designar o homem físico deve utilizar-se o número nove e, por extensão, designam-se com este número todas as coisas do mundo material.

O homem está igualmente composto por três grupos de três sephirots cada um: o da alma, dotado de razão; da alma sensível, dotado de vontade e o da alma como elemento vivificador dos corpos. Portanto, para designar o homem físico deve utilizar-se o número nove e por extensão, designam-se com este número todas as coisas do mundo material. Para indicar um desencarnado que ainda está revestido de seu invólucro psíquico e que somente perdeu seus elementos físicos, emprega-se o número seis e, por extensão, esta cifra simboliza tudo quanto pertence ao plano astral, celeste ou psíquico. Finalmente, o desencarnado que sobe ao plano espiritual, libertando-se dos três primeiros elementos físicos e dos três elementos psíquicos seguintes, será designado com o número três que corresponde aos elementos do reino da razão, os únicos que restam.

Esta teoria deu origem ao famoso trinômio cabalístico 3.6.9 que também se aplicava ao universo, desmembrado em três planos ou mundos: o físico, o celeste ou astral e o espiritual. Cada um destes planos está composto igualmente de três elementos. Para a cabala, a estrutura do homem (microcosmos) é igual à estrutura do universo (macrocosmos). A forma humana prefigura tudo quanto existe na terra e no céu. Observando o homem, podemos saber tudo quanto acontece no universo, e vice-versa.

O Zohar diz a respeito: “Não acrediteis que o homem seja exclusivamente carne, pele, ossos e veias.Assim como o homem terrestre, o Adão celeste é interior e tudo acontece na terra como no céu. Neste sentido, se afirmou que Deus criou o homem à sua imagem. Mas, dá mesma maneira como no firmamento que envolve todo o universo, vemos diversas figuras formadas pelas estrelas, que nos anunciam coisas ocultas e profundos mistérios, assim também sobre a pele que cobre nosso corpo existem formas, marcas que são como os planetas ou as estrelas de nosso corpo. Todas essas formas tem um sentido oculto e constituem objeto de atenção para os sábios que sabem ler na fisionomia do homem.

Segundo tais teorias, não foi difícil aos cabalistas a partir da lei da semelhança entre o micro cosmo e o macrocosmo, construir todo um sistema de correspondências entre os fatos humanos e os celestes, que lhes permitia encontrar em um dos mundos os sinais do qua ia acontecer no outro. Desta maneira, a astrologia teve amplo lugar dentro da cabala, que lhe deu pleno fundamento doutrinário. Assim mesmo a cabala também estimulou a prática mágica alquimista.

Afinal, tudo estava em relação com tudo. A forma da cabeça, das mãos, qualquer acidente corporal era um sinal do mundo astral. Por sua vez, os planetas estavam em correlação comas pedras preciosas, as letras do alfabeto, os anjos, as idéias, os nomes. Por exemplo, as sete letras duplas do alfabeto hebraico coincidiam com os sete planetas, os sete dias da semana, os sete orifícios da cabeça. As doze letras simples do alfabeto, por seu lado, correspondiam aos doze signos do zodíaco, aos doze meses e aos doze órgãos do corpo.

Nunca foi feita uma formulação tão ampla e completa da lei da Correspondência, que constitui a pedra fundamental da magia. A cabala foi, sem dúvida nenhuma, a mais sistemática exposição do ocultismo já conhecida.

Os sephirots, segundo apontamos, estavam agrupados em três. Cada par constituía uma dupla polaridade, e o terceiro constituía o equilíbrio das duas esferas anteriores. Esta é a chave das tríades esféricas: o equilíbrio da Luz e  do Saber, a síntese vivente, representada pelo balanço de cada ternário conseguido no terceiro sephirot. Eis a aplicação do afirmado pelo primeiro parágrafo do Zohar que transcrevemos anteriormente.

Os sephirots são dez, mas até agora somente nos referimos a nove deles. Falta o primeiro, representado pela primeira letra do alfabeto hebraico – Aleph- e, portanto o número um. Denominavam-no “em soph” (o incompreensível) e representava a dividade infinita, da qual emanavam os restantes sephirots. Constitui a base de todo o sistema, a primeira esfera, a mônada de Pitágoras. É indivisível, é também incapaz de multiplicação. Dividindo um sobre si mesmo, sempre fica um, e multiplicando-o por um também continua sendo um. Portanto é a representação do Absoluto, da Divindade e neste sephirot estão contidos os outros nove. Este sephirot fundamental do qual emanam os restantes, está muito próximo dos ensinamentos do mazdeísmo persa, no qual tudoeanava de zarvan Akaran, o espaço tempo divinizado.

A relação entre os diferentes mundos está representada pelos triângulos entrelaçados, que formam a estrela de seis pontas que é aliás, o símbolo do povo judeu (a estrela de Davi). Os triângulos simbolizam o Continente maior ou macrocosmos e o Continente menorou microcosmos de Zohar.

Nos sephirots, encontra-se o desenvolvimento da pessoa e dos atributos de deus. Alguns são masculinos e outros femininos, segundo afirma a cabala, que acusa aos tradutores da Bíblia de ocultar toda referência a que a divindade é ao mesmo tempo masculina e feminina, trasnformando o plural dos textos originais – “El”- num masculino singular- “Eloim”. Porém continuam os cabalistas, há passagens no Antigo Testamento que permitem interpretar a dupla natureza divina, com ao célebre frase “façamos o homem á nossa imagem e semelhança”. Se Adão tinha no início, dupla natureza, pois era simultaneamente homem e mulher (?!”) – argumenta a cabala- então Jeová, que o fez à sua imagem e semelhança deveria ser ao mesmo tempo masculino e feminino.

Deus é o ser infinito, inconcebível. Ele é “Aquele que é” e a cabala lhe concede dez atributos:  a coroa, a sabedoria, a inteligência, a bondade ou a grandeza, a força ou o direito, a glória ou a misericórdia, a vitória ou a eternidade, a dignidade, a justiça e o reino ou a coroa. De acordo com a tradição, dado que o último atributo é igual ao primeiro unem-se os dois extremos da década e desta maneira forma-se um círculo, sinal e representação de Deus e do infinito. O ponto que as vezes se coloca no centro do círculo simboliza o equilíbrio.

A cabala literal

É o método para descobrir significados secretos escondidos nos textos sagrados do povo hebreu. A cabala literal consiste, justamente, em não tomar as Escrituras no sentido literal, mas em buscar as verdades que elas encerram e que somente os iniciados podem interpretar. Estava formada pela “gematria” e o “motariqon”.

A gematria é o procedimento que permitia descobrir o verdadeiro sentido das palavras, substituindo-as por outras de igual valor numérico (tampouco os caldeus tinham, nem os gregos ou os romanos) e as quantidades eram representadas por meio de letras. Isso significava que um signo poderia ser indistintamente letra ou número: tudo dependia do contexto em que se encontrava.

Por exemplo, a primeira letra do alfabeto judeu – Aleph – podia ser utilizada também como número um. A segunda – Beth- como número dois; a terceira – ginel- como três; a quarta – daleth- como quatro, etc.

Somava-se os valores de cada letra, chegando se assim a um número que representava uma palavra. Isto é, um conjunto de sinais que tinham sido unificados para formar uma palavra, deixavam de ser letras para transformarem-se em números, somavam-nos, e depois, tornava-se a transformá-los em letras que somavam a mesma quantia e que, unidas, formavam uma palavra totalmente diferente da primitiva.

Por, exemplo, a palavra “Shin” (alma) soma 300 pelo valor de suas letras e pode substituir a “Ruach Elchim” (espírito de Deus) que também vale 300. 

Outras vezes, estabelecia-se a relação entre a palavra e seu valor numérico e se atribuíam poderes mágicos à quantia resultante, conforme a melhor tradição pitagórica. O valor numérico de Javé (Jeová) é 10,5,6 e 5 totalizando 26. estes números contidos no nome de Deus eram interpretados de maneira mística e por cálculos similares descobriram que o maispoderoso nome de Deus devia conter 72 letras. O conhecimento deste nome era o máximo de potência que um homem podia alcançar.

Segundo o Motariqon, cada letra de uma palavra é tomada como inicial ou abreviatura de outra. Desta maneira, pode-se construir uma frase com as letras de uma só palavra.

Tomemos, por exemplo, a palavra “Brashth” (Berashith; o hebraico usa somente consoantes e as vogais são substituídas na escrita por pontos embaixo das letras), a primeira a configurar no Gênesis. Construindo palavras com cada uma de suas letras como iniciais, pode-se construir a frase: no início Deus viu que Israel devia aceitar a Lei”.

Também se pode interpretar que as três primeiras letras são as iniciais das três pessoas da Santíssima Trindade: Bem, o Filho; Ruach, o Espírito e Ab, o Pai. Esta leitura cabalística foi realizada pelos cabalistas de origem cristã, que abraçaram a doutrina esotérica hebraica durante a Renascença.

Finalmente, se tomarmos os valores numéricos da palavra referida, atinge-se a cifra 3.910, quantia em anos transcorridos desde a Criação até Jesus, segundo a cabala de origem Cristã.

A cabala prática

Como pode o cabalista ter acesso ao mundo mágico e dominar em seu benefício as forças da natureza?

O “Temura” – livro mágico da cabala -  responde a esta pergunta partindo de três afirmações:

1)      O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e tem, portanto seus atributos. Se isto for certo, o homem tem em si mesmo, em potência poderes da mesma natureza que a divindade (salva a relatividade existente entre o finito e infinito). Se o homem é uma redução de Deus, não demorará em querer imitar seu Criador por meio do exercício de seus poderes, inferiores, mas reais. 

2)      As coisas foram criadas por meio do pensamento e a voz de Deus, com as trinta e duas maravilhosas vias da Sabedoria: as vinte e duas letras do alfabeto hebraico e os dez primeiros números expressos pelas dez primeiras letras, constituem o laço unificador da criação e são idênticas ao pensamento feito visível. São superiores aos corpo s e substâncias. O sopro de deus encontra-se nas letras hebraicas e elas participam igualmente do homem e de Deus. Conhecendo-se seus significados ocultos e seus poderes, todos os prodígios podem ser realizados. 

3)      O homem também possui pensamento e verbo com seus auxiliares (as letras e números). Se Deus criou o universo por estes meios e deu ao homem os mesmos instrumentos sem que isso significasse blasfemar contra a obra de Deus (em sua essência superior) o homem pode, possuidor como é, dos mesmos meios, realizar prodígios em uma escala pequena, mas que podem modificar a natureza inferior. 

A magia, que em todas as épocas foi ritualista, encontrou no complicado formulismo dos cabalistas, a codificação de palavras, gestos e símbolos que necessitava para seu cerimonial.

Os relatos fantásticos sobre os prodígios que os iniciados na cabala realizavam, consolidaram a confiança no poder da palavra. Falava-se que um mestre do século XVI, Elias de Chelm, teria fabricado um homem artificial, um “Golem” (matéria informe) que se animou de vida quando ele escreveu sobre a fronte de barro do boneco um dos nomes secretos de Deus. Um prodígio idêntico foi atribuído tempos depois ao rabino de Praga, Judá Lov Bem Bezabel que, assustado pelo crescimento do monstro, que aumentava sempre, apagou o nome secreto da fronte do “Golem”, que voltou a ser matéria inerte.

A chave da atividade mágica dos cabalistas reside no antigo princípio ocultista da identidade da ordemmaterial e da ordem ideal. Tudo o que cai sob nossos sentidos, afirmavam os cabalistas, pode revelar o pensamento divino, e tudo o que se produz no mundo da inteligência manifestará no mundo da matéria. Mais uma vez encontramos a clássica lei da Correspondência, fundamentando uma doutrina ocultista.

Todos os ocultistas renascentistas recorreram à cabala para a fundamentação teórica e para a liturgia de suas práticas. Porém, se foi considerável o número dos entusiastas, por outro lado foi reduzido o dos eleitos, pois, segundo a cabala, era requerida uma certa condição para a realização dos prodígios que anunciava esta misteriosa doutrina. Era necessária ter uma “potência natural” e sem esta “faculdade magnética” era inútil esperar imitar, mesmo que em escala reduzida, os prodígios divinos.

 

 Dr. Bruno A. L. Fantoni – Revista de parapsicologia 13

 

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