CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS NOS MILAGRES |
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1) Extraordinário - Com o intuito de recolher toda a reflexão anterior dos filósofos e teólogos, na realidade deixando-se influir pelo nascente racionalismo, Dom Calmet, no século XVIII, influi muito, negativamente, na polêmica posterior sobre o milagre. *** Também ele, entre tantos posteriores, deturpou a definição de milagre: "Um efeito que supera as regras ordinárias da natureza, como caminhar sobre as águas, ressuscitar um morto ou falar repentinamente uma língua desconhecida". && -- Respondo: Certamente só Deus pode devolver a vida a um morto. Mas caminhar sobre as águas, em determinadas circunstâncias, pode ser simplesmente o que a parapsicologia explica e conhece como levitação. Falar de repente uma língua desconhecida pelo consciente, pode enquadrar-se perfeitamente no fenômeno natural que em parapsicologia se chama xenoglossia (e menos ainda pode considerar-se milagre a glossolalia, o tagarelar sons sem sentido...). Calmet, e muitos outros depois dele, definido o milagre como "um efeito que supera as regras ordinárias da natureza", inclui no rol dos milagres todos os fenômenos parapsicológicos humanos, que são simplesmente isso: efeito extraordinário do homem. Mais ainda, qualquer fenômeno infreqüente, humano ou físico, como uma guerra, um assalto mais ousado, a erupção de um vulcão que parecia "dormindo", um feto com duas cabeças..., qualquer acontecimento incomum, extraordinário, seria milagre!!! Absurdo. É certo que um fenômeno freqüente, ordinário, por mais maravilhoso que seja em si mesmo e por mais que o supersticioso ou o crente possa ver nele a ação da Divina Providência, comum ou especial, precisamente por ser um fenômeno ordinário não pode ser considerado como SN, milagre: por exemplo a ordem e conservação do universo... E pior ainda: "Todas as Quartas e Sextas Feiras sessões de Incorporações de espíritos", "Tarde de milagres todos os Domingos", "Sessões de descarrego aos Domingos de tarde", "Todos os dias 19 na Missa das 11 manifestações do Divino Espírito Santo", etc. etc. Absurdo. Ou são profundamente ignorantes ou são mal intencionados, e neste caso, usar a Deus contra Deus, usar a Deus para enganar, esse é o mais grave dos pecados, o pecado contra o Espírito Santo (Mt 12,31). Todo milagre é extraordinário, mas nem todo o extraordinário é milagre. Vem aqui à lembrança, aquela profecia de Isaías com referência aos milagres do Messias, Jesus Cristo: "Verão fatos que jamais se lhes tinham narrado, e ouvirão coisas jamais ouvidas antes. Quem teria acreditado no que ouvimos? A quem foi revelado assim o braço de Iahweh?" (Is 52,15b-53,1). 2) Maravilhoso - É conseqüência do anterior. Ou conceito análogo. Se o milagre é uma intervenção do sobrenatural ou, mais concretamente, de Deus, certamente é maravilhoso. E tratando-se de Deus "somente o fantástico tem probabilidade de ser verdade", como dizia o grande cientista jesuíta Pe. Teilhard de Chardin. Na coleção "Entender a Bíblia", num livro com pretensões de ser magistral, refletindo o ditame quase geral no mundo da teologia moderna, "modernizada", (apesar de geralmente errado quando sai do campo da doutrina revelada para entrar no campo dos fatos, ciência de observação, parapsicologia), nisto acertadamente se destaca o significado etimológico da palavra milagre: "Existem pequenas diferenças, quando se trata de definir mais precisamente em que consiste o milagre, mas visto em conjunto predomina o elemento excepcionalidade; e excepcionalidade de tal porte, que vale como critério determinante para que se considere milagre. É justamente esta idéia de excepcionalidade que vamos encontrar no radical latino que constitui a base do termo milagre e seus cognatos, ainda que modificados pela evolução da língua, quais sejam milagre (miraculum), admirar (mirare), maravilhas (mirabilia), etc. Essas palavras exprimem, no fundo, o espanto, o estupor que sentimos perante algo de extraordinário, de excepcional. O milagre implica um admirar-se". *** O modernista Le Roy reduz o milagre à admiração e pretende apoiar-se num texto de grande autoridade: "Manifestação de alguma coisa difícil e insólita superior às possibilidades da natureza e fora da esperança do admirador". && -- Em primeiro lugar Le Roy diz apoiar-se em Santo Agostinho. E faz duas citações erradas. Na realidade o texto é de Santo Tomás. Além do mais, o texto é contra a tese dos racionalistas e modernistas. Santo Tomás expressamente afirma que o milagre é "superior às possibilidades da natureza". Não é, pois, correto Le Roy quando cita o texto como se nele só se frisasse o aspeto de admiração. Mas convêm o texto, e por isso o citamos, porque também é muito significativo em confirmação desta outra nota verdadeira do milagre: maravilhoso. *** Insiste Le Roy, para denegrir o milagre: Santo Agostinho -agora sim- na sua fase (inicial, depois amplamente rejeitada pela experiência e estudo) de desprezo do milagre pretende que o milagre da multiplicação dos pães, por exemplo, não seja mais admirável que a germinação de um grão de trigo. E é muito menos admirável que a ordem inimaginável do imenso Cosmos. Mas à ordem do Cosmos estamos acostumados e não nos admira! "Por isso (...) uma simples (?) multiplicação de pães, nos admira muito mais. A ação de Deus num milagre não seria nem mais forte nem mais complicada que a de certos fatos da natureza". E em outra oportunidade, contrapondo milagres e determinados fatos escolhidos da natureza, Santo Agostinho mostra que estes últimos são mais maravilhosos. && -- Convenhamos, facilmente se cai no sofisma quando se pretende despir o milagre do seu aspecto maravilhoso... *** Como o deturpado sofisma de Voltaire: Dizer "um milagre, segundo a energia da própria palavra, equivale a dizer: uma coisa admirável. Neste caso, tudo é milagre. A ordem prodigiosa da natureza, a rotação de cem milhões de globos ao redor de um milhar de sóis, a atividade da luz, a vida dos animais são milagres perpétuos". Ou como naquelas palavras do líder modernista, o excomungado Pe. Loisy: "Indo ao fundo das coisas, não há, sem dúvidas, no milagre nada de mais do que no menor dos fatos ordinários; e igualmente, vice-versa, no menor dos fatos ordinários nada há de menos do que no milagre". && -- É até difícil de se admitir, se não conhecêssemos a força do preconceito, que o próprio Loisy e com simplismo seus seguidores teólogos "modernizados" acreditem em tamanha simplificação. Tudo é milagre! "No menor dos fatos ordinários nada há de menos do que no (chamado) milagre". "Maravilhoso", "admirar-se"... Do ponto de vista da parapsicologia haveria que repetir -e pelos mesmos motivos-, a respeito da generalização dada à nota "maravilhoso", a mesma consideração antes feita a respeito de "extraordinário": Nem tudo o que provoca admiração é milagre. Mas todo milagre provoca admiração. Mas não só isso, claro! A voz da profecia -A Bíblia destaca profeticamente que, como Iahweh, o Messias --e em Seu nome e pelo Seu poder Seus seguidores-- realizará maravilhas que nenhum outro pode realizar: os milagres são exclusivos de Deus, Sua assinatura. No Êxodo Deus promete: "Eis que faço uma aliança. Farei diante de todo o teu povo maravilhas como não se fizeram em toda a Terra, nem em nação alguma. Todo este povo, no meio do qual estás, verá a obra de Iahweh" (Ex 34,10). Relembremos a profecia de Isaías com respeito a Jesus Cristo: "Eis que Meu Servo há de prosperar. Ele se elevará, será exaltado, será posto nas alturas. Exatamente como multidões ficaram pasmas à vista Dele (...) Assim agora nações numerosas ficarão estupefatas a Seu respeito, reis permanecerão silenciosos ao verem coisas que não lhes haviam sido contadas e tomarem consciência de coisas que não tinham ouvido". A profecia cumpre-se em Jesus - São muitos os textos que destacam a admiração das testemunhas perante os milagres inauditos realizados por Jesus e, em Seu nome e poder, pelos seus discípulos. Por exemplo: Mas antes um parêntese. Várias vezes em aula, ao expor estes ou análogos fatos, sempre a mesma aluna, com confiança mas ao mesmo tempo com maior ou menor dose de protesto, reagia: "Aí o padre está entrando em religião!". Eu invariável e simplesmente perguntava: "Não estou expondo fatos? Ou o preconceito pode realizar o 'milagre' de que os fatos deixem de sê-lo, só porque estão relacionados com religião? Minha querida, espírito aberto à realidade do nosso mundo!". Creio que a anedota pode ser útil para a reflexão de alguns leitores... e mesmo a alguns parapsicólogos apresados que, vítimas do racionalismo, querem excluir da ciência, da parapsicologia, o estudo dos fatos..., precisamente os fatos mais maravilhosos! Fechemos o parêntese e voltemos ao texto sobre a admiração nos milagres de Jesus e seus seguidores. * "Certo dia, enquanto ensinava, achavam-se ali sentados fariseus e doutores da Lei, vindos de todas as aldeias da Galiléia, da Judéia e de Jerusalém (notável grupo de testemunhas): e Ele tinha um poder do Senhor para operar curas". "Vieram então alguns homens carregando um paralítico num catre; tentavam levá-lo para dentro e colocá-lo diante Dele. E como não encontravam um jeito de introduzi-lo, por causa da multidão, subiram ao terraço e, através das telhas, desceram-no com o catre no meio dos assistentes, diante de Jesus. Vendo-lhes a fé, Ele disse: 'Homem, teus pecados estão perdoados'". "Os escribas e os fariseus começaram a raciocinar: 'Quem é este que diz blasfêmias? Não é só Deus que pode perdoar pecados?' Jesus, porém, percebeu seus raciocínios e respondeu-lhes: 'Porque racionais em vossos corações? Que é mais fácil dizer: 'Teus pecados estão perdoados´, ou: 'Levanta-te e anda´? Pois bem! Para que saibais que o Filho do Homem tem o poder de perdoar pecados na Terra, eu te ordeno -disse ao paralítico-, levante-te, toma teu leito e vai para tua casa. E no mesmo instante levantou-se diante deles, tomou o catre onde estivera deitado e foi para casa, glorificando a Deus". "O espanto apoderou-se de todos. Ficaram admirados e glorificaram a Deus dizendo: 'Nunca vimos coisa igual'" (Lc 5,17-26; Mc 2,1-12). E os discípulos imitam seu Mestre : * "Pedro e João subiram ao Templo (...) Vinha então carregado um aleijado de nascença (...) Vendo Pedro e João entrar no Templo, pediu-lhes uma esmola (...) Pedro, porém, disse: 'Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isto te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!' E tomando-o pela mão direita, ergueu-o". "No mesmo instante, os pés e os calcanhares se lhe consolidaram; de um salto ficou de pé e começou a andar. Entrou com eles no Templo, andando, saltando e louvando a Deus. Todo o povo viu-o caminhar e louvar a Deus; verificava que era aquele mesmo que mendigava sentado junto à Porta Formosa do Templo. E ficaram cheios de espanto e de admiração a respeito do que lhe sucedera". "Como não largasse Pedro e João, todos, assombrados, acorreram para junto deles, no pórtico chamado de Salomão. À vista disto, Pedro dirigiu-se ao povo: 'Homens de Israel, por que vos admirais disto? Ou por que não tirais os olhos de nós, como se fosse por nosso próprio poder ou por nossa própria piedade que fizemos este homem andar? O Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, o Deus dos nossos pais glorificou o seu servo Jesus" (At 3,1-13). * Quando se preparava para convidar Seus primeiros discípulos a que, largando tudo, O seguissem, Jesus, para fundamentar-lhes a fé, realiza a primeira pesca milagrosa. "À vista disso, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: 'Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador'. O espanto, com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua companhia, por causa da pesca que haviam acabado de fazer" (Lc 5,8-10). * "Pelas mãos dos Apóstolos faziam-se numerosos sinais prodigiosos no meio do povo... o povo celebrava os seus louvores (lhes tributava grande admiração) (At 5,13). * Quando Jesus revitalizou Talítha, filha de Jairo, chefe da Sinagoga, todos os presentes "ficaram extremamente espantados" (Mc 5,21-24.35-43). * E quando Jesus, na Sinagoga de Cafarnaum, curou instantaneamente um conhecido louco, "o espanto apossou-se de todos, e falavam entre si: 'Que significa isso? (...) E Sua fama se propagava por todo lugar da redondeza" (Lc 4,31-37). * No dia de Pentecostes, perante a xenoglossia supranormal (SN) de serem entendidos os apóstolos em 18 línguas diferentes por umas 3.000 pessoas -sem contar os que não se batizaram-, a multidão "estava confusa. Estupefatos e surpresos, diziam: 'Não são todos galileus esses que falam? Como é, pois que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna? (...) Estavam todos assombrados e perplexos, diziam entre si: 'Que vem a ser isto?'" (At 2,1-41). É claro, a mesma admiração nas pessoas sem preconceitos encontra-se ao longo de toda a história posterior perante os milagres realizados por intercessão dos santos. O leitor atento o haverá notado nos milagres já referidos nos artigos anteriores, como o notará nos que ainda referiremos em outros muitos artigos. 3) Outra característica: Perceptível - Vimos que os teólogos "modernizados" identificam milagre com sinal. *** E insistindo desproporcionadamente no aspecto sinal, minimizam o valor de sinal: Subjetivo. Comento: Aparentemente nessa exigência supõe-se na própria definição, antes da pesquisa, o que só se poderia acrescentar depois da pesquisa. Dão por suposto o que deveriam demonstrar. Vimos na reta definição de milagre, e está implícito no fundo de toda a reta discussão, e é fundamental, que se consideraria milagre, em essência, a intervenção de outra força no nosso mundo, uma força supranormal (SN)... Simplesmente. Depois de estudar essas manifestações, e só depois, é que poderemos saber se os milagres são ou não sinal de alguma coisa, sempre, alguma vez, ou nunca. Estudar a realidade; não teoricamente predeterminá-la. Observar a realidade, toda a realidade, é o caminho e pressuposto da parapsicologia e de toda ciência; predeterminar teoricamente o que deveria ser a realidade, não passa de preconceito... Acontece, porém, que precisamente porque corresponde à Ciência estudar a realidade, uma suposta intervenção que não fosse observável não pertenceria à Ciência. Não diretamente. Às ciências de observação. É sobre a ciência de observação que se podem elevar a filosofia e a teologia. Sem o fundamento das ciências de observação, a filosofia não passaria de sofisma; e a teologia, de teologumena (disquisições de teólogos), na expressão do grande teólogo e parapsicólogo Pe. Karl Rahner S.J. Por esses dois motivos (o tão ponderado sinal e o objetivo da ciência de observação, fundamento da filosofia e da teologia), o suposto milagre tem de ser um fenômeno observável. Se não é observável, nem pertence à ciência nem é sinal de coisa alguma. A verdade científica, por ser de grande interesse como fundamento da religião, terminou por ser plenamente compreendida pela Igreja. Após o Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática "Dei Filius", só se considera milagre o milagre apologético. Isto é, observável e como sinal. E grande sinal: O Concílio decreta que os milagres são "sinais certíssimos e apropriados a todas as inteligências". Ao longo dos séculos, antes do Concílio Vaticano I (8 de dezembro de 1869 a 18 de julho de 1870), muitos cientistas (de observação, filósofos e teólogos), com Santo Tomás de Aquino (s. XIII), distinguiam dois tipos de milagres, o oculto e o apologético: 1) Entre os milagres ocultos, Santo Tomás citava "o milagre de (Deus) fazer-se menino numa virgem (...) e o da presença sacramental no altar". Estes milagres são objetos da fé (Menos a própria Concepção Virginal, exclusivamente para a Sma. Virgem, só para Ela perceptível. A Concepção Virginal, para a Santíssima Virgem, é manifesta). 2) Os outros milagres destinam-se "à prova da fé (sinal, apologéticos) e devem ser manifestos" (perceptíveis). && Para quem acredita, a presença de Cristo na Eucarístia, por exemplo, maravilhosa intervenção do poder de Deus, é um grandíssimo sinal do Seu amor. Mas não é perceptível, portanto não é o que hoje se entende por milagre, precisamente porque não é fenômeno = observável. *** Pelo outro extremo, os teólogos "modernizados" costumam cair num erro crasso. "O milagre acontece (...) no mundo da realidade sensível e espaço temporal que nossos sentidos atingem. Desse modo, se distingue da profecia (... e) da santidade". && Crasso erro. Perceptível, observável, sensível e sinônimos não são o mesmo que tangível, físico... Podem existir determinadas profecias em que se cumprem todas as características do fenômeno supranormal (SN) ou milagre. Um milagre de conhecimento, por exemplo. Perfeitamente observável. Perfeitamente ouvido pelas testemunhas. Perfeitamente legível nos escritos. Com a antecedência requerida. Perfeitamente comprovável a realização. Cumpre todas as condições necessárias. Igualmente podem cumprir-se todas as características num milagre moral. Pode, por exemplo, existir uma conversão e santidade que seja completamente inexplicável pelas leis da psicologia humana. E ser perfeitamente observável... ao menos pelos seus efeitos externos. Mais uma vez estão completamente errados os teólogos "modernizados" e seus seguidores. E a criação? -- O conceito de criação do universo, corresponderia à definição de milagre? ***Alguém poderia insistir em que não é milagre porque estaria de acordo com as leis da natureza, leis que, ao menos logicamente, precederiam à criação. && Mas não é por esse caminho de uma definição secular de milagre incorreta e espúria, que temos de dar resposta à pergunta. São duas as respostas à disquisição, respostas que ajudam na compreensão da definição de fenômeno SN ou milagre: 1) A criação não seria milagre... naquele momento, quando o universo ou suas "raízes" surgiram do nada por um ato de vontade do Criador. Não seria naquele momento observável, nem serviria como sinal para ninguém. 2) Mas se algum dia a ciência mostrasse e demonstrasse inapelavelmente que houve criação, do nada, pelo poder do Criador..., aí, nesse "algum dia", teríamos a comprovação de um fenômeno SN ou milagre: Outra Força, de fora da natureza, agindo no nosso mundo, fenômeno maravilhoso, extraordinário, sinal (ao menos da existência do Criador)... E efeito perceptível. Definição metodológica - Para a reta compreensão do que é fenômeno SN ou milagre, devemos considerá-lo de todos os ângulos da ciência: teológico, filosófico e das diversas ciências de observação implicadas. Definir a realidade ou possível realidade só do ângulo da teologia, ou só da filosofia, ou só da medicina, ou... é miopia. A parapsicologia -repetimos esta descrição informal- "é o conjunto dos ramos da ciência implicados no estudo dos fenômenos misteriosos de alguma maneira relacionados com o homem". "Supranormal (SN) é um fenômeno em nosso mundo por força sobrenatural". Aí, a essência da definição de milagre: "Fenômeno" em nosso mundo, portanto observável ou perceptível. "Sobrenatural", portanto por "outra força". Extraordinário. E maravilhoso. O conceito de fenômeno supranormal ou SN, que até agora temos apresentado é operacional. Isto é, ao longo da pesquisa e depois da exposição, é claro que a realidade poderá permitir que se acrescentem outras características ou que se precise mais o conceito. Essa força sobrenatural que perceptivelmente, pelo efeito, age no nosso mundo concebe-se geralmente como invisível. Ao menos pode ser invisível... Se o fato for realmente supranormal, qual seja a força que o realizou se deduzirá do ambiente: demoníaco? espírita? divino?... Como a maior parte do próprio fenômeno supranormal, também analisar o ambiente em que se realiza pertence primordialmente às ciências de observação... Assim, após as pesquisas, poderá concretizar-se na definição qual é especificamente a Outra Força que age no fenômeno SN ou milagre, de Quem é assinatura, e de qual é sinal entre tantíssimas religiões ou seitas ou... Apesar de tantos disparates que os teólogos "modernizados" infiltraram naquele seu pretensioso inquérito "magistral", um antropólogo, sociólogo e historiador, Augustin George, apresenta uma definição de milagre que, com algumas correções, coincide com a definição em parapsicologia. A definição ideal. É o conceito que deve flutuar após a secular polêmica, é a definição operacional que cabe e possibilita o estudo dos fatos: "Neste estudo o milagre é entendido no sentido de um fenômeno observável (ele diz "físico" !?), maravilhoso, atribuível (antes de completar o estudo; ele diz "atribuído" !?) a uma força sobrenatural". Com este conceito operacional de milagre, crentes e ateus podemos nos entender. Os seguidores de uma religião podemos pesquisar junto àqueles filósofos e cientistas... que poderíamos chamar independentes de toda religião. De todos os séculos. Nesta posição metodológica concordamos com o filósofo sem religião Durand de Gros: "Se definimos o milagre (ou fenômeno supranormal - SN) como (...) uma intervenção de uma vontade estranha à Terra, o milagre pode ser um fato extraordinário, mais ou menos raro, mais ou menos excepcional, e por conseguinte mais ou menos maravilhoso. Pode acontecer que ele não exista de maneira nenhuma, mas resta, até a demonstração de sua não-existência, um fato racionalmente admissível e inclusive provável". Assim, depois do estudo, chega-se à conclusão. Concordamos também com Wallace, grande naturalista e um dos pioneiros da parapsicología. Partindo daquela definição metodológica, pode-se chegar depois do estudo à conclusão e diagnóstico do milagre: Diagnostica Wallace: milagre ou fenômeno supranormal, SN, é "um fato (perceptível) que infere necessariamente (sinal, apologético) a existência e ação de uma inteligência sobre-humana" (transcendência). Entre os pioneiros dos filósofos e teólogos modernistas, Saintyves dá uma ótima lição aos mestres (em Teologia pura, porque em fatos...) "modernizados" de hoje, que, sem estudar os fatos, já na própria definição começam por negá-los!!! Escreve, nisto com toda razão, Saintyves: "Eu chamarei fato milagroso a um fato incomum (...) sobrepassando as forças da natureza sensível, animada ou inanimada, por conseguinte a intervenção de um ser sobrenatural, diabólico, angélico, ou divino".
Examinemos as características do fenômeno SN ou milagre concretamente
nas curas de paralisia. Não é qualquer cura de qualquer paralisia um
milagre (SN). "Levanta-te
e anda": É milagre?
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"O
Paralítico do Telhado", após a |
--Pode haver um movimento afortunado que recoloca o osso no lugar.
-- Pode haver um máximo aproveitamento das forças musculares. Isso é muito freqüente.
--Excepcionalmente pode ocorrer inclusive um efeito parapsicológico de sansonismo e até de uma inicial levitação. E o paralítico, atrofiado e com doenças orgânicas como as citadas, caminha por alguns minutos.
--Mais ainda, muito excepcionalmente pode acontecer também que o ectoplasma recobre os membros descarnados, dando a impressão de recuperação muscular.
"Milagre!, Aleluia!" Mas logo depois o coitado desmorona mais doente que antes, esgotado, decepcionado, treinado na histeria, além de "com a cabeça cheia de minhocas". Com casos destes pavoneiam-se todos os curandeiros. Em todas as religiões e seitas. Em todos os ambientes. Nada de milagre. Somente superstição e irresponsabilidade.
Atrofia muscular - Deixo para outra oportunidade expor e analisar todas as condições exigidas pelo insuperável parapsicólogo Bento XIV, para que uma cura possa ser considerada milagre nos processos de beatificação e canonização. No que agora tratamos, basta frisar que um dos fatores que exclui plenamente a explicação por histeria na cura é a recuperação instantânea e permanente da musculatura atrofiada. Trata-se, na realidade, de quatro fatores conjuntos: atrofia, recuperação, instantânea, duradoura.
Nas duas curas de paralíticos antes citadas, a do Templo e a do telhado, São Lucas, que era médico, nos fornece dados muito significativos:
* Expressamente se diz que o paralítico do Templo o era de nascença: "Vinha então carregado um aleijado de nascença" (At 3,2). Podemos deduzir que também o paralítico do telhado o era de nascença ou, ao menos, de havia muito tempo. E portanto ambos tinham profunda atrofia muscular, da qual sararam instantaneamente:
* Ambos jaziam nos seus catres. Parece sugerir-se a identidade de situação: ambos com atrofia muscular.
* Os catres de ambos eram transportados por outras pessoas. Os paralíticos eram incapazes de se valer por si mesmos. Paridade. Atrofia muscular profunda
* Sem dúvida é muito significativo que São Lucas destaque, em ambos casos, que recuperaram as forças imediatamente. É tanto como significar quase expressamente que antes também o paralítico do telhado sofria de atrofia. Do aleijado do Templo diz: "No mesmo instante, os pés e os calcanhares se lhe consolidaram; de um salto ficou em pé e começou a andar" (At 3,7s). Do paralítico do telhado diz: "E no mesmo instante, levantando-se diante deles, tomou o catre onde estivera deitado e foi para casa" (Lc 5,25).
* Deve-se destacar que a cura do paralítico do telhado foi feita "diante deles", os "fariseus e doutores da Lei, vindos de todas as aldeias da Galiléia, da Judéia e de Jerusalém" (Lc 5,27). Portanto também este paralítico estava atrofiado: "Eles" jamais aceitariam a "cura" de um paralítico que não estivesse atrofiado ou aleijado. "Eles" jamais se deixariam enganar pela farsa de um histérico. A cura foi feita em desafio a "eles": "para que saibais que o Filho do Homem tem o poder de perdoar os pecados..."--o que para "eles" era uma blasfêmia" (v. 21)-, "disse ao paralítico: 'levanta-te, toma teu leito, e vai para tua casa'" (v. 24).
* Nem haveriam causado tanta admiração os dois casos, se ambos os paralíticos não estivessem antes atrofiados, e imediatamente depois recuperados.
* De nascença, sendo já adultos. Expressamente São Lucas faz constar, no encerramento de todo o dramático episódio, que o paralítico do Templo tinha mais de 40 anos:
Os anciões membros do Sinédrio, os escribas e fariseus, prenderam São Pedro e São João. "Reconheciam-nos por companheiros de Jesus; ao mesmo tempo viam, de pé com eles, o homem que fora curado e assim nada podiam replicar. Mandaram-nos sair do Sinédrio e deliberaram entre si. Diziam: 'Que faremos destes homens? É evidente a todos os habitantes de Jerusalém que um sinal notório foi realizado por eles, e não podemos negá-lo. Mas para que isto não se divulgue mais, impeça-nos por ameaças que falem doravante deste nome (de Jesus) a quem quer que seja'. Chamaram-nos, pois, de novo e proibiram-lhes absolutamente falar ou ensinar em nome de Jesus. No entanto, Pedro e João responderam: 'Julgai se é justo aos olhos de Deus obedecer mais a vós do que a Deus' (...) Eles então, depois de novas ameaças, não descobrindo como puni-los, soltaram-nos por causa do povo, porque todos glorificavam a Deus pelo que acontecera. Pois o homem miraculosamente curado tinha mais de quarenta anos" (At 4,13b-22).
E permanente - Não caíram logo depois! A admiração foi maior precisamente porque o paralítico do telhado "tomou o catre onde estivera deitado e foi para casa glorificando a Deus" (Lc 5,25), com isto multiplicando as testemunhas. O paralítico do Templo "entrou com eles no Templo, andando, saltando (...), todo o povo viu-o caminhar (...) Como não largasse Pedro e João, todos, assombrados, acorreram" (At 3,8-11), também multiplicando as testemunhas.
Tão admirável foi o milagre, imediatamente atribuído por São Pedro ao poder de Jesus, que 5.000 pessoas abraçaram o cristianismo (At 4,4).
Havia muitíssimas testemunhas. Ganhariam um bom dinheiro se pudessem testemunhar contra esses dois milagres. E "eles", os escribas e fariseus, teriam feito a mais espalhafatosa reclamação se algum tempo depois, mesmo muito depois, houvesse voltado a paralisia.
São Lucas conta mais dois casos - O médico Lucas, nos Atos dos Apóstolos, refere mais dois casos, e de novo frisa os detalhes bem significativos.
1) "Pedro, que percorria todas essas regiões, foi ter também com os cristãos que habitavam em Lida".
"Aí encontrou um homem chamado Enéias, prostado num leito; havia oito anos que era paralítico. Disse-lhe Pedro: 'Enéias, Jesus Cristo te restituiu a saúde; levanta-te e arruma a tua cama'. E ele se levantou imediatamente. Todos os habitantes de Lida e da planície de Saron o viram e se converteram ao Senhor" (At 9,32-35).
2) De São Paulo: "Vivia ali um homem aleijado dos pés desde a nascença, coxo e incapaz de andar. Ele escutava Paulo discursar. Este, detendo nele o olhar (...) disse com voz forte: 'Levanta-te direito sobre os teus pés!' Ele deu um salto e começou a caminhar".
"À vista do que Paulo acabava de fazer, a multidão exclamou em língua licaônica: 'Deuses em forma humana vieram a nós!' A Barnabé chamavam Júpiter, e a Paulo, Hermes porque era ele que falava".
"Os sacerdotes de Júpiter de fora da cidade levavam à porta touros ornados de grinaldas, e queriam, de acordo com a multidão, oferecer um sacrifício. Informados disto, os apóstolos Barnabé e Paulo (...) precipitaram-se em meio à multidão, clamando: 'Amigos, que estais fazendo? Nós também somos homens, passíveis da mesma sorte que vós, e vos anunciamos que deveis abandonar todos estes vãos ídolos para vos voltardes ao Deus vivo (...) Com muito custo conseguiram por essas palavras impedir que a multidão lhes oferecesse um sacrifício" (At 14,8-18).
Se o paralítico prostado na cama havia sete anos e portanto atrofiado; e se o atrofiado e aleijado de nascença não houvesse ficado perfeito ("direito"), não teria sentido a conversão dos habitantes de Lida e de toda a região, nem tal entusiasmo da multidão e dos sacerdotes pagãos de Listra.
E se houvesse caído logo depois de curado, ou durante os longos intentos de oferecer sacrifícios a Paulo e Barnabé, ou mesmo após bastante tempo..., calcule o prezado leitor em que se haveria transformado aquela conversão em massa e o entusiasmo da multidão e dos sacerdotes!
E outro de São João - Que a atrofia e subseqüente recuperação muscular instantânea e duradoura é nota fundamental para que a cura de um paralítico possa ser considerada milagre, não escapou aos Evangelistas, como não escaparia a nenhum observador sensato. Sem ser médico, também São João frisa os detalhes significativos:
"Por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. Existe em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas, uma piscina que em hebraico se chama Betesda (que significa: "casa de misericórdia"), com cinco pórticos. Sob esses pórticos, deitados pelo chão, numerosos (...) coxos e paralíticos (...) Encontrava-se aí certo homem, doente havia trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que já estava assim há muito tempo (era evidente pela atrofia) (...), disse-lhe Jesus: 'Levanta-te, toma o teu leito e anda'. Imediatamente o homem ficou curado. Tomou o seu leito e se pôs a andar".
"Ora, esse dia era Sábado. Os judeus, por isso, disseram ao homem curado: 'É Sábado e não te é permitido carregar teu leito'. Respondeu-lhes: 'Aquele que me curou, disse: Toma o teu leito e anda'" (...)
"Por isso os judeus perseguiam Jesus: porque fazia tais coisas em sábado. Mas Jeus lhes respondeu: (...) 'Em verdade, em verdade vos digo: o Filho por Si mesmo nada pode fazer (...) Tudo o que o Pai faz, o Filho o faz igualmente (...), a fim de que todos honrem o Filho como honram o Pai´" (Jo 5,1-19.20b.23).
E assim passou tanto tempo... Se o paralítico houvesse voltado a sê-lo, ou não houvesse sido bem curado, se houve-se ficado a atrofia..., imagine o prezado leitor até que ponto os judeus explorariam o fracasso. No seu raivoso preconceito, apelaram a planos de violência, "justificada" por tergiversações teóricas. Porque o fato da cura, e que fora feita como prova de poder igual ao do Pai, era inatacável e por todos testemunhado.
E muitos outros - É necessário entender bem uma frase muito significativa do evangelista São Mateus:
"Jesus, partindo dali, foi para as cercanias do mar da Galiléia e, subindo a um monte, sentou-se. Logo vieram até Ele numerosas multidões trazendo (evidentemente, por todo o contexto, carregando pelo monte muitos) coxos (...) aleijados (...) e os puseram aos Seus pés (evidente indicação de que muitos estavam impossibilitados de manter-se em pé) e Ele os curou, de sorte que as multidões ficaram espantadas ao ver (...) os aleijados sãos, os coxos andando (...) E renderam glória ao Deus de Israel" (Mt 15,29-31).
Cumpria-se a profecia - Oito séculos antes Isaías apresentou como característica e sinal do Messias: "Eles verão a glória de Iahweh, o esplendor do nosso Deus. Fortalecei as mãos abatidas, revigorai os joelhos cambaleantes (...) Eis que o vosso Deus vem (...) Então o coxo saltará como o cervo (Is 35,2b-3.4b,6a).
Pe. Oscar G. Quevedo S.J