MILAGRE REAL, OU SINAL SUBJETIVO? |
||
Como conseqüência da polêmica secular, também o termo "sinal", em relação ao milagre, está carregado de muitas deturpações, tergiversações e confusões. Pouco deturpado pelos racionalistas; muito pela maioria dos teólogos mais recentes ou "modernizados". Como lamentavelmente este erro ou lavagem cerebral e "irreflexão teológica" está muito generalizada, temos de alertar contra tão crassa deturpação. Antes de mais nada, os diversos significados de sinal. SINAL = SÍMBOLO - Nada tem de especial, em relação aos fatos como tais, que o homem atribua algum fenômeno a Deus como um sinal, no sentido de um símbolo, ou como uma lembrança da promessa divina. E também, é claro, Deus pode atribuir-lhe as mesmas finalidades. Ë o caso do arco-íris. É efeito da reflexão da luz. Na Bíblia, porém, no capítulo 9 do Gênesis, é elevado a sinal, símbolo, lembrança da promessa divina de que nunca mais haveria um dilúvio de tão enorme proporção; nem de tal extensão, aparentemente "universal". SINAL = PRESSÁGIO - Muitos povos consideraram diversos tipos de fenômenos naturais como sendo sinais divinos no sentido de presságios anunciadores de catástrofes. * Para o mundo greco-romano, por exemplo, basta fazer referência à análise dos sinais considerados presságios tal como o expõe Suetônio no seu "Vida dos Doze Césares". * Para a Idade Média basta citar os sinais que, segundo Eginhard no seu "Vita Karoli", pressagiavam a morte de Carlomagno. * Em nossas terras americanas talvez os casos mais significativos dentro desta mentalidade sejam os que segundo os astecas pressagiavam a chegada de Hernán Cortés, a queda do império, a derrota e depois a morte de Monctezuma. -- A parapsicologia demonstra que nada há de supra-normal, de milagroso, em todos esses prodígios. Não superam a precognição para-normal, natural, humana. Mas tais presságios, em si mesmos, são absolutamente naturais, sem mais mistério do que a interpretação supersticiosa.-- Podem, porém, ser Especialmente Providenciais, como parece ser no caso dos astecas... Ao aprofundarmos no tema da Divina Providência ficará isto claro.SINAL = ORDÁLIOS - O que chamavam "juízo de Deus". A prova pelo fogo, pela água borbulhante, ou pela água fria, assim como outras muitas "mancias" (ou técnicas de adivinhação) foram universalmente usadas ao longo dos séculos para saber se alguém era inocente ou culpado. *** Aparecem com relativa freqüência na Bíblia, usadas por reis e profetas. - A pedagogia bíblica só pouco a pouco vai purificando o povo judeu das suas primitivas superstições de origem pagã. *** Na Espanha, na Alemanha, na França..., a partir do século IX, inclusive a Igreja empregou os ordálios. Sua prática foi aprovada expressamente e regulamentada pelos concílios (particulares, não com autoridade universal nem dogmática!) de Worms no ano 868, de Thieure no ano 895 e de Salgenstadt em 1022. Mais ainda, posteriormente o uso dos ordálios foi mandado pelo concílio (particular...!) de Reims em 1157 para garantir o "veredicto divino" nas pessoas acusadas de heresia; e em 1184 o papa Lúcio III por um decreto geral (disciplinar, sem valor dogmático!) também prescrevia o uso da "purgatio vulgaris" (purificação comum) pelo fogo, prática que geralmente não passava de um ordálio ou "juízo de Deus". - É claro que os ordálios usados pelos inquisidores, ou pelos reis perante a autoridade eclesiástica, embora tão difundidos séculos atrás (e ainda hoje usados por povos, pessoas e... seitas primitivas), são uma barbárie carregada de superstição e fanatismo. Evidentemente também que algumas vezes eram meras desculpas para encobrir suas perversas intenções. *** Nas tentações no deserto, Jesus foi submetido a uma espécie de ordálio: "Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo" de cima do Templo de Jerusalém, confiando na proteção do Pai (Mc 4,7 par). -Debilitado após muito jejum e penitência, a imaginação tentava, Mas a vontade de Jesus rejeitou o "ordálio", citando a proibição bíblica:"Não tentarás ao Senhor teu Deus" (Dt 6,16): -- Logicamente, toda classe de ordálios foram condenados universal, absoluta e definitivamente quando, pela difusão de tal prática supersticiosa, a Igreja teve de pronunciar-se oficialmente, no Concílio Lateranense IV, este sim Ecumênico e com autoridade dogmática. SINAL NA BÍBLIA - E é aqui onde começa a desorientação dos teólogos "modernizados". Muito usado no Antigo Testamento mas principalmente no Novo é o termo seméia (no singular seméion = sinal). Reclama a ação do homem em correspondência à ação de Deus: o homem é convidado a refletir e reconhecer os sinais, a significação dos milagres, sinalizam para a Revelação da qual os milagres são a "assinatura" divina. Semanticamente, a característica seméion ou sinal está em parte incluída no termo grego teras, em latim portentum, prodigium, ou mesmo monstrum. Prodigum vem etimologicamente de prodicere, dizer antes, e monstrum vem de monstrare, mostrar; assim o milagre é aquilo que fala antes, mostrando a resposta que o homem está sendo convidado a dar a esse sinal. Com certeza é por este parentesco semântico, que seméia e térata aparecem freqüentemente juntos tanto no Antigo como no Novo Testamento. Evidente que especialmente o vocábulo seméion, precisamente pelo seu significado de sinal, pode ser aplicado a diversos fatos, sejam eles milagres verdadeiros ou falsos, ou fatos de Especial Providencia e Ordinária Providência Divina, ou de alguma maneira admiráveis como tantas maravilhas do universo, ou mesmo meramente simbólicos sem relação nem longínqua com milagres, etc. Assim, por exemplo, são seméia os verdadeiros milagres que acompanharão aos que crêem (Mc 16,17), e também são chamados falsos seméia os falsos milagres com que os falsos messias enganarão a muitos (Mc 13,22). Milagres e casos providenciais "misturados" são conjuntamente chamados seméia, em várias passagens (Ex 10,1; Nm14,22; Dt 7,19; etc.). Igualmente, insistindo no que já vimos, criaturas maravilhosas como o Sol, a Lua... (Gn 1,14), mas também num sentido simbólico o arco-íris é um seméion (Gn 9,12) e num sentido de sacramento (= sinal eficaz da promessa que simboliza) a serpente elevada no deserto (Nm 21,90). Etc.... DESORIENTAÇÃO DOS TEÓLOGOS - Por essa variedade de sentidos, os teólogos "modernizados" pretendem generalizar e vilipendiar o significado de todos esses termos usados na Bíblia. Segundo eles, a "semântica bíblica" estaria confirmando que não haveria milagres: todos esses fatos, pela própria terminologia empregada pela Bíblia, não passariam de sinais meramente subjetivos, e sinais sempre sobre fatos mais ou menos corriqueiros. -- Respondo: Certamente não. Generalização e vilipêndio absolutamente falsos. Os verdadeiros milagres nada têm de corriqueiros. O preconceito, ou a lavagem cerebral, ou a "irreflexão teológica", dos teólogos "modernizados" chega ao extremo ridículo de não lhes permitir lembrar que freqüentemente o termo sinal é aplicado na Bíblia aos milagres mais destacáveis, às mais extraordinárias térata, dínameis (forças), megaléia (grandiosidades), taumásia (admiráveis)...:* A transformação instantânea e abundante de água em excelente vinho nas bodas de Caná foi o "início dos sinais, Jesus (...) manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele" (Jo 2,11).* A revitalização à distância e instantânea do filho morto, ou ao menos moribundo, de um funcionário público foi "o segundo sinal que Jesus realizou" (Jo 4,54). * Após a multiplicação de "cinco pães de cevada e dois peixinhos" para dar de comer a "uma grande multidão (...) tanto quanto queriam (...).Quando se saciaram (...), vendo o sinal que ele fizera, aqueles homens exclamavam: Este é verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo!" (Jo 6,2-14). * Em conseqüência da revitalização instantânea de Lázaro, morto havia quatro dias e já cheirando mal, devolvendo-o a uma saúde perfeita e duradoura (Jo 11), "todos os que estavam com ele davam testemunho de que chamara Lázaro do sepulcro e o revitalizara dos mortos. E por isso o povo saiu ao seu encontro: soubera que ele havia feito este sinal" (Jo 12,17s). O SUPREMO SENTIDO DE SINAL - Os teólogos "modernizados" desprezam no milagre a característica fundamental de ser, ele mesmo como fato e também pela Causa que o realiza, supra-normal (SN) -na nomenclatura parapsicológica- ou sobrenatural -na nomenclatura teológica. --Perdem-se na periferia. É que, além do milagre propriamente dito, fato devido ao poder sobrenatural, pode haver outras duas aproximações ou degraus periféricos, que não chegam à categoria do milagre: 1) Muito acertadamente reclama o parapsicólogo e teólogo Pe. Dhanis. Os teólogos modernistas cometeram o erro de abandonar a transcendência real do milagre para contentar-se com uma simples "transcendência" subjetiva de sinal. Na realidade -continua o grande parapsicólogo e teólogo Pe. Dhanis-, inclusive no primeiro degrau, periférico, em direção ao milagre, o fato especialmente providencial, a natureza ela mesma, sob a ação Superior, se converte em sinal do sobrenatural. A transcendência de sinal somente é concebível se há transcendência expressa pela própria natureza elevada. 2) Pode haver também um fenômeno de causa conjunta, natural e sobrenatural, no sentido de parte do fenômeno ser devido às forças da natureza e parte ser devido ao poder divino. É o segundo degrau ou aproximação de subida ao milagre. Como dizem os drs. Bom e Leuret, do Escritório Médico e de Estudos Científicos de Lourdes: "no milagre (no segundo degrau, "de causa conjunta"), Deus utiliza as forças da natureza (...) e supre suas insuficiências. O estudo científico dos milagres permite-nos, portanto, reconhecer e apreciar melhor a ação divina, concretizar a parte que cada causa (natureza e Deus) encerra, confirmando-nos sua realidade, e admirar (sinal) a sabedoria infinita do Autor de todas as coisas". É justamente ao revés do que pensam os teólogos "modernizados". Exatamente enquanto supra-normal (SN) é que o fato especialmente providencial ou de causa conjunta serve de sinal e se soma ao milagre. Os teólogos modernistas e "modernizados" até inspiram pena quando, saindo do seu campo propriamente teológico (a partir da Revelação), entram no campo fenomenológico (da ciência de observação, a partir dos fatos), campo a que pertence por essência o milagre na maioria dos seus aspectos. *** Por exemplo o Pe. Etienne Charpentier, da Equipe "Cahiers Evangile". É um conceituado exegeta. Exegeta, teólogo, porque como observador dos fatos..., ridículo "modernizado". Escreve: "Sendo o milagre um sinal, uma questão que põe em caminho, não tem importância que algum dia possa ser explicado, dado que não se crê por causa dele, mas por causa da verdade da mensagem". -- Coleção de erros, típica dos teólogos "modernizados". Admirável capacidade de acumular tantos disparates em tão poucas palavras. A maioria dos teólogos modernos, "modernistas", neste tema sofreram uma verdadeira lavagem cerebral. "Reflexão teológica" completamente divorciada dos fatos! *** Só "sinal"! Só "põe em caminho"! "Não tem tanta importância que algum dia posa ser explicado"! -- Se o milagre pudesse explicar-se naturalmente algum dia, nunca haveria sido verdadeiro milagre! *** "Não se crê por causa dele, mas por causa da verdade da mensagem"! -- Formidável contradição. Acreditar em verdades inobserváveis. sobrenaturais pela própria verdade da mensagem! O aspecto sinal é precisamente para fazer racional a aceitação da mensagem. A mensagem será racionalmente aceita como verdadeira pela autoridade de quem teria rebelado tal mensagem, e o milagre seria a "assinatura" do revelador. Sem milagre, a aceitação de determinada mensagem, entre milhões de pretendidas mensagens ou revelações em milhares de religiões, seria completamente subjetiva, irracional, inumana.Se o aspecto sinal não se fundamenta em algo realmente supra-normal, o fato não passaria de meramente providencial, providência ordinária. Nada acontece sem ao menos a permissão de Deus. Tudo é providencial. Mas só o fato especialmente providencial está relacionado com o milagre. Igualmente, se Haag, Van den Born, Ausejo..., reconhecem falando em nome de toda a reta teologia, que os milagres "são sinais comprobatórios e anunciadores da missão divina-humana de Jesus (...) e convite à Fé", é evidente que esses sinais somente poderão ter força comprobatória se são em si mesmos fatos supra-normais. E somente assim poderão anunciar ou ser um convite objetivo à fé, sem cair em ridículos subjetivismos interpretativos de 'sinais' que em si mesmos não teriam nenhum valor. Com todo direito, portanto, protestava contra o modernismo o melhor parapsicólogo de todos os tempos, Bento XIV: "Milagres e sinais confluem entre si por parte da Causa (...) É sumamente difícil neste tema encontrar diferença entre milagre e sinal. Dado que se prova a fundo ante tudo que nenhum sinal de coisa alguma sobrenatural se pode deduzir a partir de muitas circunstâncias das quais nenhuma, nem em conjunto nem por separado, supere as forças da natureza". A característica que chamamos sinal, o que visa o termo sinal, é precisamente a finalidade do milagre (ou do fenômeno especialmente providencial ou de causa conjunta): comprovar a Revelação, "assinatura" de Deus. Bastaria um mínimo de reflexão, não fosse a lavagem cerebral, para dar ganho de causa aos teólogos tradicionais, contra a superficialidade, neste tema, dos teólogos modernistas e "modernizados". Santo Tomás já insistia em que os milagres têm valor de sinal precisamente porque são efeitos sobre todo poder da natureza. O santo doutor mostra que são inseparáveis esses dois aspectos, "o primeiro, a ação ela mesma que ultrapassa a capacidade da natureza, isso pelo qual os milagres são chamados 'atos de poder' (em grego taumásia, megaléia, etc.); o segundo é a finalidade pela qual são feitos os milagres, isto é, a manifestação de algo sobrenatural, isso pelo qual os milagres são chamados 'sinais'" (em grego seméia).Lógico: entre os teólogos de hoje, alguns de maiores quilates, e autoridade, e por isso mesmo não-modernistas, também frisam a inseparabilidade de ambas características. Rahnher e Vorgrimler, por exemplo: o milagre deve ser "algo, no horizonte da experiência humana, não explicável pelas leis da natureza, autotestificação (ou sinal, 'assinatura') da vontade salvífica de Deus"
|