AFINAL, O QUE SÃO DEMÔNIOS ? |
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Pressuposto. A respeito de demonologia, secularmente usou-se a Bíblia como principal argumentação, quase exclusiva.
Ora, é tema teológico ou é tema científico? Pertence à ciência o estudo das realidades observáveis do nosso mundo. E deduzíveis da observação (filosofia). A Bíblia é um livro de doutrina sobrenatural, inobservável, revelada. E da Bíblia podem deduzir-se outras verdades (Teologia). Não há direito a invocar a Bíblia em ciência, como a ciência não pode discutir Doutrina sobrenatural. A Igreja Católica e Denominações Protestantes, o Islã, as seitas religiosas, como tais, não têm a última palavra em ciência, nem sequer a primeira. E o conjunto dos ramos da ciência que estuda fatos incomuns, relacionados com o homem, é a Parapsicologia. Teologia e ciência tratam de temas diferentes (Falo inclusive como doutor em Teologia). Isto pressuposto, em demonologia de que se trata? É Doutrina sobrenatural, inobservável, revelada, ou trata-se de cultura e interpretação de fatos do nosso mundo? Naquele pressuposto muito, muito, muitíssimo deveríamos insistir para evitar tantos erros acumulados em demonologia..., por culpa de teólogos, padres, pastores, etc., inclusive santos e pretendidas revelações particulares (tema também muito importante que amplamente deveremos analisar em outra oportunidade). DEMÔNIO. Hoje sob o termo geral demonologia tem-se embutido uma amálgama completamente heterogênea, misturando ou identificando conceitos na realidade totalmente incompatíveis. Antigo Testamento. Uma primeira constatação é que o termo demônio (ou um eqüivalente hebraico para traduzir exatamente o termo grego daimónion e daimónia (ou daímon e daímones) tão freqüente, como veremos, no Novo Testamento apesar de ser tão curto, não aparece nunca nos originais do Antigo Testamento apesar de ser tão comprido. A palavra demônio no Antigo Testamento é só fruto de traduções posteriores. Ídolos. Os sátiros (espécie mitológica de bode), "seres peludos" descritos por Isaías, inspirado nas divindades mesopotâmicas, são convertidos na tradução oficial, (chamado de Setenta), em demônios. Dançariam com sereias nas ruínas da Babilônia (Is 13,21).
Também
em outras oportunidades os ídolos são traduzem por demônios (Isaías
65,3; Dt 32,17; Sl
106,36ss).
E
quando Isaías (65,11) fala de Gad, o deus arameu
da fortuna, os Setenta substituem Gad
por demônio.
Esses
mesmos sátiros, esses mesmos ídolos, esses mesmos demônios, no Levítico
são, na tradução dos Setenta, simplesmente "coisas vãs"!
(Lv 17,7).
Soberania
de Deus. Na sua pedagogia, a Bíblia não enfrentou diretamente desde
o início os deuses estrangeiros. Utilizou-os, como instrumento de
linguagem, para destacar a soberania de Deus. Apresentou-os como
subordinados a Jahweh, o Deus dos deuses e das potestades. Aos deuses pagãos
chamou-os "Filhos de Deus", que formavam o conselho de Deus,
"Potestades" que ajudavam no governo do universo. E inclusive os
organizou hierarquicamente (Dn 10,13) -como em
toda milícia bem-estabelecida- sob o
comandante supremo, Satã (Zc 3,1-2).
Mas
a manifesta semelhança com a mitologia pagã poderia induzir o povo judeu
ao politeísmo. Aparecem então os Profetas lembrando que só há um Deus.
Os
profetas tiram da mitologia e cultura da época todo traço de politeísmo,
mas guardam os aspectos compatíveis com o único Deus, Criador e Supremo
Governante. Os deuses pagãos, as Potestades e outras criaturas celestes
servem para destacar a grandeza do Criador.
Este
empréstimo de elementos das religiões pagãs é evidente em várias
oportunidades. Por exemplo, no Levítico. O
velho costume popular de expiação é aproveitado purificando-o da
idolatria: "Quanto ao bode sobre o qual caiu a sorte 'para Azazel',
será colocado vivo diante de Jahweh, para fazer com ele o rito de expiação,
a fim de ser enviado a Azazel, no deserto... Aarão
porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode e confessará sobre ele todas
as faltas dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e todos os
seus pecados (...) e o bode levará sobre si todas as faltas deles para
uma região desolada" (Lv 16,10,21s).
O
bode não é sacrificado ao demônio Azazel. A
ação simbólica de transferir os pecados se faz diante de Jahweh pela
mediação do sacerdote Aarão, e o "bode
expiatório" indo ao deserto, onde morrerá, simboliza a desaparição
dos pecados.
Inexistentes.
Mais ainda, Israel logo compreende que Deus não precisa de conselho
nem ajuda de ninguém e que os deuses pagãos não passam de absurdas
falsidades enquanto não se identifiquem com o próprio Deus único.
Se
não são o próprio Jahweh, essas divindades são falsas, inexistentes.
O
Salmo 96,5 diz no original hebraico que os deuses
dos pagãos são vãos: deuses
= élohim,
vãos = élilim.
Não pode o grego conservar este jogo de palavras. E os Setenta convertem vãos
em demônios! Os
demônios são vãos, inexistentes. No Novo Testamento se recolhe a idéia: São João identifica os deuses pagãos com os demônios, e são seres inertes, meras imagens feitas pelas mãos dos homens: "Obras das suas mãos, para não mais adorar aos demônios, os ídolos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de madeira, que não podem ver, nem ouvir ou andar" (Ap 9,20). E
São Paulo também identifica deuses pagãos e demônios, e igualmente
como vãos, nada, inexistentes: "Aquilo que os gentios imolam, eles o
imolam aos demônios (...). Que quero dizer com isto? (...) Que os ídolos
(os demônios) mesmos sejam alguma coisa? Não!" (1Cor 10,19-20). Influencias
pagãs. A
antiquíssima demonologia-divindades da literatura suméria,
os perniciosos deuses-demônios chamados udug,
e a demonologia acádia influenciaram os
hebreus do Antigo Testamento, e através dos caldeus penetraram o mundo
grego e depois o romano. Pouco
antes de Cristo, a influência volta aos judeus, através da cultura
grega, resultante da dominação romana. Dois séculos antes de Cristo e
no próprio século 1º d.C., a demonologia judaica manifesta
reflexos da demonologia mesopotâmica e grego-romana.
Demônios
e demônio são as traduções
vernáculas para os termos daímones
no plural e daímon
no singular na versão dos Setenta. Tenhamos em conta que esta tradução
foi feita precisamente nesta época neo-testamentária.
Ora, na literatura grega e na época helenística,
daímon
e daímones
significam deus e deuses:
divindades de grau inferior. Os judeus na época neo-testamentária, também adotaram esta denominação. Flávio Josefo, o historiador judeu que escrevia no século primeiro, várias vezes emprega o termo daímones como sinônimo de deuses. Levemos em conta que o todo o Novo Testamento foi escrito em grego.O
termo daímon
procede de daiomai,
que significa distribuir: eram
os deuses que distribuíam os bens e os castigos aos homens. Neste mesmo sentido, os pagãos usam o termo daímones com referência à pregação de São Paulo: "Dir-se-ia um pregador de divindades (daímones) exóticas, porque ele anunciava Jesus e a Ressurreição" At 17,18). Os que escutavam Paulo usaram o termo daímones no plural porque acreditavam que Jesus era anunciado como um deus e a Ressurreição como uma deusa. Elaboração
do animismo. Zoroastro
ou Zaratustra, o mais antigo fundador
conhecido de religião, ensina que Alhura Mazda,
o Deus Supremo, serve-se dos chamados
"santos imortais": são
divindades inferiores, pois são concebidas como irradiações da natureza
divina. Alhura Mazda
não governa diretamente o mundo, serve-se para isso dos imortais,
potestades ou daímones. Na
mais antiga mentalidade todas as manifestações da natureza, que o homem
primitivo considerava superiores a ele, eram concebidas como dotadas de
alma. Esses seres animados, espíritos bons ou maus, eram os responsáveis
pelos acontecimentos favoráveis ou desfavoráveis.
Com
o tempo, o animismo dos povos primitivos foi se fazendo mais elaborado e
complexo. É substituído por potestades, ou
divindades inferiores, que como intermediários governam a humanidade e o
mundo. Os próprios intermediários - divindades inferiores-,
se multiplicam numa subordinação hierárquica mais ou menos extensa. Elaborado
ou primitivo conserva-se o animismo nas tradições de muitos povos
africanos. De lá se ramificou principalmente pelos
chamados cultos afro-brasileiros e de vários
países latino-americanos. O
judaísmo num começo não se opôs ao animismo, mas o disciplinou, a fim
de acomodá-lo às suas próprias exigências doutrinais. Por
exemplo, o animismo universal considerava que os rios e os vaus tinham
alma. Depois, pensou que havia neles um deus. Eram daímones.
Para atravessar um rio, primeiro era preciso aplacá-lo com oferendas
e dádivas. Lê-se
na Bíblia: Jacó "se levantou, tomou
suas duas mulheres, suas duas servas, seus onze filhos e passou o vau do Jaboc.
Ele os tomou e os fez passar a torrente e fez passar também tudo o que
possuía. E Jacó ficou só". Mas
não aplacara o deus torrente! Teria portanto de ser castigado: "E
alguém lutou com ele até surgir a aurora. Vendo que não o dominava,
tocou-lhe na articulação da coxa, e a coxa de Jacó
se deslocou enquanto lutava com ele". Com
a aurora vem um daímon
mais poderoso, que afugenta as divindades noturnas. Para isso, o deus
da torrente disse: "Deixa-me ir, pois já rompeu o dia". Mas Jacó
respondeu: "Eu não te deixarei se não me abençoares". Faz
parte também do animismo universal atribuir força mágica aos nomes. O Gênesis
acomoda tal crença, fazendo intervir a Divina Providência nos nomes: "Ele
lhe perguntou: 'Qual é teu nome?' -'Jacó',
respondeu. Ele retomou: 'Não te chamarás mais Jacó,
mas Israel (Deus forte, ou algum significado eqüivalente), porque foste
forte contra Deus e contra os homens, e tu prevaleceste'. Jacó
fez esta pergunta: 'Revela-me teu nome, por favor'. Mas ele respondeu:
'Por que perguntas pelo meu nome?' E ali mesmo o abençoou. Jacó
deu a este lugar o nome de Fanuel 'porque
-disse- eu vi Deus face a face'" (Gn
32,23-33). A
demonologia de Israel consta de elementos emprestados de todas as civilizações
vizinhas. Tais culturas não pertencem ao conteúdo da Revelação!
Trata-se de interpretação pagã de realidades do nosso mundo. Pertence
à ciência. A Bíblia não é um livro de ciencia.
Os elementos da natureza não são deuses. Estes daímones
não existem. Só metaforicamente se substituem, ou identificam, esses
demônios pelo verdadeiro e único Deus.
Novo
Testamento. Sob
diversos nomes alude 73 vezes ao que comumente hoje se chama demônio. O
Novo Testamento usa, além de daimónion,
os nomes: "Diabo e seus anjos" (Mt
25,41), "espíritos imundos" (Mt
10,1), "espírito impuro" (Mc 1,23), etc. Demônio
e os outros termos se usam indistintamente. No singular ou no plural.
Assim, por exemplo, a mesma pessoa que,
segundo Marcos (5,2), é possuída por um espírito
impuro, no singular, pouco depois no mesmo Marcos (v. 13) está possuída
por espíritos
imundos, no plural. E segundo Lucas (8,27) essa mesma pessoa está
possuída por demônios,
no plural; mas imediatamente, no mesmo Evangelho de Lucas (v. 29) Jesus
identifica esses demônios como
um espírito impuro, no
singular; e no versículo seguinte (30), Lucas diz que são muitos
demônios No
apóstolo São Paulo. Paulo
usa a linguagem e as imagens próprias da cultura judaica da sua época.
Os "espíritos do astral" e outros demônios-divindades,
originariamente do Oriente, foram convertidos pelos judeus em
"armadas celestes" (Sabaoth). Jahweh
é o Deus dos Sabaoth, Deus dos exércitos, ou
em diversas passagens da tradução
dos Setenta, "Deus das Potestades" (cf. por exemplo, Sl
80,5). Paulo,
pela sua cultura judaica, utilizou como comparação o mito de que Deus
delegou o governo do mundo às Potestades e Principados (Gl
3,19; Hb 2,2; 1Cor 6,3 etc.) São os demônios.
"O nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas
contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste
mundo de trevas, contra os Espíritos do mal, que povoam as regiões
celestiais" (Ef 6,11-12). As
Potestades ou demônios estão a serviço de Deus; são dignos de respeito
(1Cor 11,10) e obediência (talvez também Rm
13,1-6); são os instrumentos de uma correção salutar por meio de doenças
(1Cor 5,5); o próprio Paulo é deixado a Satã (2Cor 12,7); serão
julgados (1 Cor 6,3) e podem ser castigados se não cumpriram bem a sua
função. Em todo caso os demônios culpáveis terão de reconhecer o
senhorio universal de Cristo (Fl 2,10-11; Cl
1,15-20; Ef
3,10; Cl 2,15). Paralelamente
à mentalidade mítica judaica, que concebia os lugares áridos como
morada preferida dos baixos demônios, aparecem em Paulo as altas
potestades habituando as camadas mais altas da atmosfera: "Príncipe
do poder do ar" (Ef 2,2); "Espíritos
do mal que povoam as regiões celestiais" (Ef
6,12). Tudo
influencia os primeiros cristãos. Se
os povos orientais influenciaram muito nos judeus e, em seqüência, em São
Paulo, influíram mais ainda na demonologia dos primeiros cristãos. São
Justino, São Clemente de Alexandria etc.
refletem claramente a mentalidade demonológica
dos egípcios. Orígenes, no começo do século
III, teve uma influência decisiva na demonologia cristã que
lamentavelmente permanece até hoje. Os demônios maus. O daímon, demônio, divindade inferior, vai deixar de ser um intermediário entre Deus e as criaturas, para o bem ou para o mal, e converte-se num ser unicamente mau. Para São Paulo, apostatar da fé é eqüivalente a escutar os ensinamentos dos demônios-deuses pagãos (1 Tm 4,1); a idolatria eqüivale a misturar-se com demônios-ídolos, que sustentam o paganismo (1 Cor 10,20ss). E assim passou-se a considerar os demônios como seres maus e desprezíveis, nada semelhantes a potestades que colaboram com Deus. Isso já aparece nos últimos escritos do Novo Testamento: "Caiu, caiu Babilônia, a Grande, tornou-se moradia de demônios, abrigo de todo tipo de espíritos impuros, abrigo de todo tipo de aves impuras e repelentes" (Ap 18,2); "Nisto vi que da boca do Dragão (... ) saíram três espíritos impuros, como sapos" (Ap 16,13). Gradualmente o abismo entre divindades e demônios foi-se alargando. O Judaísmo, o Cristianismo e o Islã só vêem hoje nos demônios forças inimigas de Deus e dos homens.
OUTROS NOMES NA BÍBLIA
A SERPENTE. A
primeira vez que
um demônio apareceria na Bíblia seria a Serpente do Paraíso.
Uma
resposta da Pontifícia Comissão Bíblica, em 30 de junho de 1909,
declarava ser uma verdade inseparável dos fundamentos da fé cristã que
o pecado de Adão foi por persuasão do Diabo
sob aparência de serpente ("Diabolo sub
serpentis specie suasore").
Isto estaria afirmado pelo Livro da Sabedoria e pelo Novo Testamento!
Esta
resposta da Comissão tinha valor normativo. Meramente. Mas assim a
interpretação comum passou a ser que a Serpente representa Satã. A
Serpente tentadora que aparece em Gn 3, poderá
aplicar-se, por elucubrações de teólogos, a
qualquer conceito de demônio. Elucubrações. Na realidade, no episódio
da tentação de Adão e Eva, nada se diz
sobre o nome, natureza ou origem do tentador. O texto não oferece o menor
motivo para identificar a Serpente) com Satanás, ou qualquer outra espécie
de demônios.
O
que importa é ver o que a ciência descobriu a respeito. A identificação
serpente-Satã "apoia-se" numa
tardia interpretação judaica que penetrou e se manteve até nossos dias
entre os cristãos. De modo algum responde aos princípios da interpretação
histórico-científica. Na linguagem figurada
na narração do pecado original, a Serpente não é símbolo ou imagem do
Tentador, mas da tentação. Esta acontece no coração do homem, embora
dado o estilo simbolizante da narração, foi
exteriorizada. O narrador atribui à Serpente a função de tentadora,
devido à proverbial astúcia deste animal.
Na
literatura religiosa da Índia há uma lenda com traços marcadamente
semelhantes à do Gênesis. O homem vivia só. Inicialmente feliz e
sem preocupações. Uma deusa, uma divindade, daímon,
chamada Mara, apresentou a mulher ao homem. Mara
incita ao prazer sexual. Considera-se o sexo como algo pecaminoso,.tabu.
Só depois de conhecer sexualmente a mulher é que o homem descobre a
solidão...
A
lenda indiana apresenta um demônio tentador. Os melhores interpretes
indianos suprimem o tentador.
A
lenda indiana é um pouco anterior ao século VI a, C., quando se escreveu
o capítulo sexto do Gênesis. O Gênesis purifica a lenda, mas é
evidente a influência indiana no ambiente judaico.
Era a mentalidade de todo Oriente.
A
Serpente no Gênesis significa o próprio instinto sexual. Tentação
sexual sem tentador. A serpente não passa de representação, personificação
ou símbolo precisamente sexual.
Lamentavelmente
essa interpretação sexual do pecado do Paraíso não é a mais comum
entre os teólogos cristãos. Foi o belga Coppens,
com conhecimentos científicos, isto é, parapsicológicos,
o primeiro teólogo católico moderno que interpretou a serpente como símbolo
sexual. Depois muitos exegetas católicos concordaram com Coppens:
à luz da ciencia, à luz da pesquisa histórica,
a descrição bíblica pretendia condenar os cultos cananeus
da fertilidade.
Em
toda a descrição do pecado no Paraíso respira-se uma atmosfera sexual.
Adão e Eva teriam feito uma espécie de culto
da deusa, daímos, Fertilidade, culto
conhecido sem dúvida pelo autor sagrado porque muito praticado pelos
pagãos da época. Tem fundamento muito valioso na antigüidade judaica a
interpretação sexual da Serpente.
Filon
de Alexandria, contemporâneo de Cristo, e que teve grande influência nos
primeiros escritores cristãos, foi o principal defensor da teoria alegórica.
A Serpente é considerada como mera imagem dos desejos e prazeres
sexuais. Não é Satã nem nenhum outro tipo de demônio; é a hedoné,
sensualidade humana.
A
serpente é arquétipo no inconsciente do homem, simbolizando em todas as
épocas e povos a vida, a eterna juventude e
especialmente, a fecundidade e libido. Os tólogos
deveriam levar em conta esta descoberta da Psicologia Profunda.
A
serpente também poderia representar a idolatria, pois representa os
deuses pagãos dos povos vizinhos de Israel. Muitos israelitas, traindo
sua religião, chegaram a adorar a serpente como uma divindade que podia
levá-los à salvação.
Evidentemente
a teoria "ídolo" e a teoria "sexo" se identificam. A
Serpente era adorada nos cultos da fertilidade precisamente por
ser deusa do sexo e dos prazeres sexuais.
Em
todo caso, o Paraíso terrestre não pode ser tomado no sentido literal
histórico. Todo o conjunto referente a Adão e Eva:
a quem pertence diretamente o tema? De que se trata? O aspecto
origem da vida humana no nosso mundo perceptível pertence à ciência. A
ciência diz que os primeiros homens certamente não foram super-homens
vivendo num paraíso de delícias, senão possivelmente
a coroação evolutiva dos primatas: Pithecanthopus
Erectus, Homo
de Java, de Neanderthal,
de Cro-magnon etc. Os primeiro homens
certamente viviam nas cavernas quase como animais. E ponto final. Não
pertence ao teólogo como tal opinar nem contra nem a favor sobre o fato
histórico, científico... Ao teólogo corresponde reconhecer o ditame da
ciência. Como aceita o teólogo-cientista
moderno Wildiers, "a evolução histórica
da humanidade, tal como nós a conhecemos, não oferece nenhum resquício
para a figura de Adão, tal como a tinha bosquejado a teologia
secular".
Aliás,
não é de hoje que se considera o capítulo 3 do Gênesis como
transcrevendo não uma história senão uma parábola educativa. Uma parábola
para ensinar um ponto de vista explicativo do problema do mal. Neste outro
aspecto, o doutrinal, o teólogo procurará unicamente o sentido religioso
que se encerra nas expressões bíblicas em questão. Não se pode
argumentar em favor da atividade de Satã ou demônios com um fato que não
aconteceu.
Inseparável dos
fundamentos da fé cristã? A Pontifícia Comissão Bíblica afirma
que no Livro da Sabedoria e no Novo Testamento se define que a Serpente do
Paraíso é Satã.
Vejamos.
Comecemos pelo Novo Testamento. O Apocalipse (12,9 e 20,2) identifica
"o grande Dragão, a
antiga Serpente, o chamado Diabo ou Satanás" com o Império Romano e
os perseguidores dos cristãos. Em outro artigo insistirei nesta
interpretação. Em
mais outra oportunidade -e só em mais uma- o Novo Testamento pareceria
identificar a Serpente com Satã. No Evangelho de São João é manifesta
metáfora. Contrapõem-se os justos aos pecadores, a verdade à mentira, o
caminho da salvação ao da morte eterna. Não se está ensinando doutrina
a respeito nem da Serpente nem de Satãnás:
"Vós sois do Diabo, vosso pai. E quereis realizar os desejos de
vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na
verdade porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é
próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo
8,44).
Passemos
ao texto do Livro da Sabedoria. Foi muito invocado e discutido. Mas na
realidade é indiscutível que não encerra nenhuma alusão à tentação
do Paraíso, à morte física
que teria decorrido do primeiro pecado,
senão que se trata do castigo dos ímpios na
eternidade: "Não esperam o prêmio pela santidade, não crêem
na recompensa das vidas puras... Deus criou o homem para a
incorruptibilidade e o fez imagem de sua própria eternidade. É por
inveja do Satã que a morte entrou no mundo. Prová-la-ão quantos são
do seu partido" (Sb 2,22-24). O texto do Livro da Sabedoria não se pode referir à morte física, que os ímpios conhecem e desejam para os justos (2,20). Evidentemente não a desejam para si próprios (2,6), proclamam exclusivamente o desfrute desta vida (2,1-20). Todo o texto e contexto (cf. também I,16,12s) mostra que o erro dos ímpios é acreditar que estão na vida, mas encontram a morte no outro mundo, enquanto que os justos morrendo para este mundo na realidade encontram a vida no outro (3,1-3).
(Compare-se
com Rm 5,12: "Por
meio de um só homem o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a
morte". A morte espiritual). Não é nada provável que o Livro da Sabedoria aludisse ao capítulo 3 do Gênesis, porque o recurso ao passado não é do estilo do Antigo Testamento onde só em mais uma oportunidade se faz (Eclo 25,24). E mesmo que admitíssemos que há uma alusão ao Gênesis, seria mais provável a alusão à morte pelo fraticídio de Caim (Gn 4,1-6), como já defenderam alguns teólogos à luz da ciência (destaquemos Bois no século XIX, Gregg no começo do século XX, e recentemente Wright ).
Além
do mais esta referência a Satã ("Por
inveja de Satã") é tão desvinculada de todo o Livro da Sabedoria,
que é lícito suspeitar que seja um comentário introduzido
posteriormente. O texto alude mais provavelmente às invejas entre deuses pagãos, não ao Paraíso. O autor -certamente um judeu helenizado, de Alexandria- batiza a inveja dos deuses substituindo-a pela inveja de Satã, porque os mitos de demônios naquela época, nos séculos II e I a.C., infestavam os livros apócrifos e a mentalidade judaica.
ASMODEU. É
o segundo demônio que aparece na Bíblia. Reflete-se também no Livro de Tobias
o mito de relacionamento amoroso de mulheres da nossa Terra com deuses ou daímones
pagãos. Manifestamente não é um livro histórico. Era um romance de "utilidade pública" e "religiosa". Os judeus, após o exílio, voltaram cheios de pânico pelas idéias mágicas e mitos dos primitivos povos pagãos.
O
autor sagrado não visa confirmar, nem sequer discutir, demonologia ou
poderes reais ou imaginários da magia. Com essa ficção, falando do daímon
Asmodeu que por
ciume teria matado sete maridos de Sara (Tb
3,8; 6,14s), apresentando Tobias que teria
usado defumadores para expulsar o daímon
(Tb 6,17s), descrevendo que o anjo Rafael acorrenta Asmodeu
no deserto do Egito (Tb 8,3) etc., só visa reforçar a onipotência divina
sobre toda e qualquer possível ou imaginária magia ou divindade pagã (Tb 6,14-22). Asmodeu
é certamente emprestado do parsismo, a
mitologia do Irã. Zaratustra, século VI
antes de Cristo, fala freqüentemente de Aesma
Deva, a divindade Ira ou Fúria,
"a mais perigosa das divindades". Foi trasformado
na Bíblia em "Asmodeu, o mais perigoso
dos demônios" (Tb 3,8). Foi recebido em sincretismo
com o anjo destrutor de uma época bíblica anterior (2Sm 24,16; Sb 18,25)
pela semelhança de Aesma
com a raiz hebraica schamad
= perder, destruir. A idéia de deuses que se apaixonam de mulheres de nosso mundo existe em muitas mitologias e se perpetua no esoterismo das gerações posteriores, até hoje.
Santo
Agostinho, na sua época pouco sabendo do que hoje se chama
Parapsicologia, apesar do seu talento extraordinário, chegará a dizer
que negar a existência de demônios machos, os célebres íncubos,
que com mulheres humanas geram "filhos dos demônios", seria
notoriamente imprudente, pois é um fato muito bem estabelecido (?!).
Sto.
Tomás de Aquino acreditava que "um e
mesmo demônio, fazendo de súcubo -fêmea-
para o varão, recebe o sémen deste e o passa
à mulher, fazendo-se íncubo para ela". Sto. Agostinho e Sto. Tomás, e quantos mais!, contraditoriamente descreviam os íncubos e súcubos como anjos rebeldes, demônios, com instintos e possibilidades sexuais, portanto com corpo! Absurdos semelhantes são muito repetidos por toda classe de ocultistas e espíritas... Hoje não faltará muito em aparecer alguém pretendendo fazer um bebê de proveta com sêmen de algum íncubo, e até algum clone do mesmíssimo Diabo! Loucura total.
SATÃ.
É provável que haja relação da palavra hebraica Satã
com a palavra árabe shaitan,
que originalmente -ao que
opinam alguns linguistas árabes- significava serpente.
Alguns povos vizinhos de Israel representavam seus ídolos sob forma de
serpente. Satã, serpente, ídolo
seriam sinônimos. A compreensão da
Serpente do Paraíso seria assim confirmada deste ponto de vista
etimológico.
A conceito de Satã nada
tem a ver com o conceito de demônios, os anjos rebeldes, conceito clássico
cristão. Com
efeito: em 15 oportunidades aparece o termo Satã
no Antigo Testamento. E seis vezes na forma verbal: satanizar.
Nunca significa um ser sobrenatural mau: 1)
Com referência a Davi diziam os príncipes filisteus: "Não se volte
contra nós no combate". De acordo com o original hebraico seria:
"Não se torne Satã nosso
no combate" (1 Sm 29,4). Claramente Satã
com o significado de pessoa inimiga.
2)
Davi aplica o termo Satã
aos homens que se opõem à vontade de Deus tentando o rei para que mate o
benjaminita que o injuriou. Satã
significa a oposição humana a
Deus. Pode entender-se como pessoas adversárias
do próprio Davi, no
sentido de tentadores:
"Davi disse: 'Que tenho eu convosco filhos de Zeruia,
para que vos torneis hoje meus adversários?
Poderia ser alguém condenado à morte hoje em Israel?'" (2Sm
19,22).
O
mesmo significado no Novo Testamento quando Jesus diz a São Pedro:
"Afasta-te de Mim, Satanás, porque tuas
palavras são palavras humanas e não de acordo com Deus".
Significado de tentação humana.
3)
Quando Salomão, após haver
vencido duas batalhas afirma que "agora (...) não tenho Satã
nem infortúnio", deve entender-se simplesmente por
povo inimigo (1Rs 5,18).
4)
Pouco depois, já há dois Satãs
para Salomão. A palavra Satã
nesta oportunidade aparece três vezes. Satã
nas três vezes designa
povos inimigos. (1Rs
11,14.23.25).
5)
No primeiro Livro dos Reis (21,13) o termo Satã
qualifica duas falsas
testemunhas. Atitude em
Satã, isto é, acusadores
inescrupulosos,
inimigos.
6)
O Salmo 108 (ou 107),12-13 chama de Satã
os inimigos em geral e
concretamente o acusador no
julgamento.
7) Igualmente Satã
é para o salmista, mais uma vez, um acusador
no julgamento: "Designa um ímpio contra ele, que um Satã
se poste à sua direita" (Sl 109,6).
8)
Depois do exílio, Satã
personifica o acusador no
tribunal divino. Iahweh "me fez ver Josué,
sumo sacerdote, que estava de pé diante do Anjo de Iahweh,
e Satã que estava de pé à
Sua direita para acusá-lo" (Zc 3,1s.).
Imagina-se o Supremo Juiz como um rei terreno rodeado de sua corte. Dentre
os servidores, um deles tem o cargo de Satã,
de promotor. Aqui Satã é um
cargo, não uma pessoa. Não é um nome próprio, é um título.
9)
O livro de Jó (1,6) refere que um dos Filhos
de Deus se apresenta diante do trono de Iahweh.
Filhos de Deus são os deuses, como filhos de Israel são os Israelitas.
Esse Filho de Deus é Satã,
que pede licença para satanizar a
Jó. O nome comum Satã representa o cargo
de acusador. E durante a narração
dos acontecimentos, Satã
representa a própria adversidade,
a inimizade, a oposição. Mas nem por
esse simbolismo se deixa de explicar
expressamente que Satã é o próprio Jahweh que permite ou sanciona a
adversidade.
Em
Jó 1,7; 2,2, Satã
diz de si mesmo que vem de percorrer a Terra, essa mesma função que se
considera própria de Iahweh, cujos sete olhos
"Percorrem toda a Terra" (Zc 4,10b).
No
fim da descrição interminável de desgraças, o Livro de Jó
tira a máscara de Satã. Continuamente Jó
vai ensinando: "Pois sabei que foi Deus que me transtornou,
envolvendo-me em suas redes (...) Ele bloqueou meu caminho e não tenho saída,
encheu de trevas minhas veredas" (Jó
19,6-8); "Deus abateu-me o ânimo, Shaddai
encheu-me de terror" (Jo 23,15). É Deus,
"Shaddai que me amargura a alma"
(27,1); "Instruir-vos-ei a cerca do poder de Deus, não vos ocultarei
os desígnios de Shaddai" (11); "O
terror de Deus caiu sobre mim" (31,23).
Etc.
E
é clarissimo o que em todo o livro
pretende-se encutir: "Jahweh o deu,
Jahweh o tirou, bendito seja o nome de Jahweh" (1,20).
10)
No Eclesiástico, emprega-se a palavra Satã,
como inimigo no sentido
do próprio instinto quando
incita ao pecado: "Quando o ímpio maldiz Satã,
ele maldiz a si próprio" (Eclo 21,27).
11)
Em Habacuc (2,5), Satã
designa a peste. Grande
inimiga... 12) No primeiro livro dos Macabeus designa-se com o termo Satã a "gente ímpia" e os "homens perversos" (1Mc, 1,34), no sentido de adversário maléfico. "Aquilo era uma emboscada para o lugar santo, um adversário maléfico para Israel constantemente" (1Mc 1,36).
13)
O termo Satã
é aplicado ao próprio Iahweh no Livro
dos Números: é a oposição
feita por Iahweh.
O texto diz que o Anjo de Iahweh, isto é, o
próprio Iahweh se interpõe em oposição no
caminho de Balaão. "Sou Eu que vim
contra ti em Satã"
(Nm 22,32).
14) Como em Jó e em Números,
também nas Crônicas (1Cr 21,1) Satã
significa a oposição "feita" (permitida) pelo próprio Deus.
"Satã levantou-se contra Israel e induziu Daví
a fazer o recenseamento de Israel".
15)
O Livro da Sabedoria foi escrito originariamente em grego, ignoramos qual
seria a palavra escolhida pelo autor sagrado se escrevesse em hebraico. O
autor utiliza a palavra grega Diábolos,
termo com o qual os Setenta freqüentemente traduzem a palavra hebraica Satã:
"É por inveja de Satã que a morte
entrou no mundo" (Sb 2,24). Como São Paulo (Rm
5,12) ensina que pelo pecado de Adão entrou a morte no mundo e o pecado
pela tentação da serpente, surgiu o erro de identificar Satã
com a serpente do Paraíso. Já estudamos o significado da Serpente e já
analisamos o correspondente texto do Livro da Sabedoria.
Conclusão.
Portanto, na Bíblia Satã nunca designa um ser que possamos considerar um
demônio no sentido, errado, tão difundido entre os cristãos
de um ser sobre-humano e perverso. A
palavra Satã, na sua forma verbal,
stn
em hebraico, aparece seis vezes no Antigo Testamento (Zc
3,1; Sl 38,21; Sl
71,13; Sl 109,4; Sl
109,29). Poderíamos traduzi-lo por
"satanizar". Os Setenta geralmente traduzem o verbo stn
por endiabállô
em grego; caluniar nas línguas
vernáculas (e o substantivo Satã os Setenta geralmente o traduzem por
Diábolos, que significa caluniador).
BELIAL.
Belial (forma hebraica) ou Beliar
(forma grega) aparece 27 vezes no Antigo Testamento e uma (2Cor 6,15) no
Novo. Delas, 21 vezes forma a expressão "filhos de Belial",
que eqüivale a chamar essas pessoas de "beliais",
qualificativo. Igual expressão aparece em Qumran.
Por exemplo: "Deus faz sair aos justos
fora da massa dos filhos de Belial (...). Belial
intenta derrubar os filhos da luz, os oprime e persegue" (IQS
III,24). Contrapõem-se os justos aos injustos, os beliais
ou filhos das trevas aos iluminados ou filhos da luz.
Belial
era uma divindade cananéia, o daíimon
do mundo subterrâneo. No Antigo Testamento, em três (Sl
18,5; Sl 41,9 e 2Sm 22,5) das 27 oportunidades
em que a palavra aparece significa esse mundo
subterrâneo que a Bíblia utiliza no simbolismo
religioso de lugar afastado de Iahweh. O conceito de Belial tinha tudo para representar a personificação do mal. Esta personificação ocupa um lugar de destaque nos manuscritos do mar Morto: "Deus criou a Belial, o anjo das trevas, o espírito do mal (...). O mundo e os homens estão sob Belial, a quem Deus e os justos odeiam, e ele odeia a Deus e aos justos" (IQS III, 24). "Deus marcou um final para a injustiça. Então Belial e seus anjos (isto é, todos os homens maus), serão submetidos a julgamento" (IQS IV, 18).
MASTEMAH.
Era na mitologia de certos povos orientais, o "Príncipe dos espíritos"
dos gigantes, ou "Chefe dos demônios". É às vezes chamado Satã.
A palavra Mastemah
tem a mesma raiz stn
que a palavra Satanás. Também Mastemah
significa inimizade.
Mastemah aparece na Bíblia sem nenhuma relação com qualquer ser
sobrenatural. No livro do profeta Oséias:
"Por causa da gravidade de tua falta,
grande é tua hostilidade (mastemah) (...),
uma rede está estendida em todos os seus caminhos, há hostilidade (mastemah)
na casa do seu Deus" (Os 9,7s.).
O
qualificativo ou ofício aplicado ao Chefe dos Demônios era sar
hammastemah, conservado em alguns
manuscritos etíopes, que significa "chefe
da inimizade". Depois erradamente se abreviou para "chefe
Mastemah", convertendo-se assim o
qualificativo em nome próprio.
No
conjunto dos escritos de Qumran até agora
encontrados aparece o nome de Satã quatro
vezes. Não aparece Mastemah como nome próprio
do Príncipe dos demônios, mas sim como qualificativo de Belial:
Belial, "anjo da inimizade" (mastemah)
[IQM (Regra da Guerra) XIII, 11; CD (Documento de Damasco) XVI, 5];
"projetos da inimizade" (mastemah)
de Belial (IQM, XIII, 4); "domínio da
inimizade" (mastemah)
de Belial [IQS (Regra da Comunidade) III, 23].
Como acabamos de ver, Satã, Mastema, Belial,
Inimizade... (daí Incredulidade, Impiedade, Trevas, Ídolos, etc.) são
sinônimos.
Etimologicamente,
Belial
significa inútil. Esta é a
tradução mais correta da frase do Deuteronômio:
"Caso ousas dizer que, numa das cidades que Iahweh
teu Deus te dará para aí
morar, filhos de Belial,
procedentes do teu meio, seduziram os habitantes da sua cidade..." Ao
pé da letra: "Homens sem utilidade", daí
"vagabundos", "maus".
Para mostrar este simbolismo religioso
ver como exemplo a frase de São Paulo: "Não formeis parelha
incoerente com os incrédulos. Que afinidade pode haver entre a justiça e
a impiedade? Que comunhão pode haver entre a luz e as trevas? Que acordo
entre Cristo e Beliar? Que relação entre o
fiel e o incrédulo? Que há de comum entre o templo de Deus e os ídolos?
Ora, nós é que somos o templo do Deus vivo (2 Cor 6, 14-16).
O
DIABO. O termo Satã, e satanizar,
tão freqüente no Antigo
Testamento, é substituído algumas vezes na tradução grega dos Setenta
pelo termo Ho Diábolos
(o Diabo),
e na forma verbal pelo termo endiabállô
(ao pé da letra haveria que traduzi-lo por
"endiabrar"). Diabo e Satã,
ou Satanás, são sinônimos. O substantivo Satã
ou Diabo, além das 15 vezes
que aparece no Antigo Testamento e mais 6 vezes
na forma verbal, no Novo Testamento Satanás
aparece 37 vezes.
Diabo,
ou Diábolos, não procede
de diáxo (= despedaçar) como
afirma a Enciclopédia Britânica,
senão de diabállô, isto é,
bállô = arrojar, com o
prefixo diá = através
de: Expulsar através de.
O verbo diabállô
e o substantivo diábolos passaram
a significar, substituindo o efeito pela causa, a ação e a pessoa que
apresenta cargos com intento hostil, falsa
ou caluniosamente (para "arrojar", "expulsar",
"derrubar" alguém). Hostilidade,
é este o significado que corresponde à palavra hebraica Satã.
A escolha da palavra Diabo para
substituir a palavra Satã na
tradução dos Setenta é alusão à lenda da
queda dos anjos rebeldes.
Transformação do mito de guerra de deuses. Que
cristão não aprendeu que antes da criação do mundo houve uma guerra de
anjos rebeldes, capitaneados
por Lúcifer, sendo derrotados pelos anjos bons, capitaneados por São
Miguel, e sendo então os rebeldes arrojados do Céu? Milton escreveu um
drama impressionante no seu Paraíso
Perdido. Tudo lenda.
Na mitologia greco-romana, havia uma multidão
de deuses que lutavam entre si. Inclusive o terrível Titã chamado Tifão
lutou encarniçadamente contra seu pai e deus supremo, Júpiter. Expulso
do Olimpo, a morada dos deuses, Tifão como todos os deuses rebeldes moram
nos infernos, nos abismos, na escuridão. De lá partem para desencadear
toda classe de males contra a humanidade. No judaísmo tardio circulavam lendas a esse respeito. A unidade psicológica dos judeus através dos séculos e superando tantas dificuldades, em parte deve-se às suas lendas. A lenda da queda dos anjos foi introduzida pelo Livro de Noé, perdido. Este livro de lendas, para dar prestigio à coletânea, foi atribuído (recursos análogos são freqüentes) nada menos que ao Patriarca Noé. Na realidade é do século II a.C.
Os judeus
estavam rodeados de povos cujas mitologias falavam de guerras de deuses.
Mas els pensaram: Como pode haver guerras de deuses, se só existe um? E o Livro
de Noé transformou a guerra de deuses em guerra de anjos.
Livro
de Henoc. O mito da
guerra dos deuses, diretamente emprestado dos cananeus, concretizou-se
numa outra coletânea de lendas, o Livro
de Henoc, descoberto na Etiópia em 1773. Consta de 108 capítulos,
redigidos originariamente em aramaico, e talvez em parte em hebraico, mas
na época do descobrimento só se encontraram cópias em etíope. Encontraram-se
nada menos que 26 cópias, porque a Igreja etíope antiga considerava,
erradamente, esse apócrifo como canônico, como pertencente à Bíblia.
É conhecido como Primeiro Livro de
Henoc (1Hn)
ou então como Henoc Etíope (Hn-et).
Hoje já possuímos fragmentos em hebraico e mormente
em aramaico, encontrados em Qumran, nas cavernas dos antigos essênios
junto ao Mar Morto. Não tem unidade. É mais uma coleção de peças de
diversas origens e antigüidades, compiladas entre o século II e
primeiras décadas do século I a.C.
Segundo os primeiros 36 capítulos do Livro
de Henoc, 200 anjos guardiães, sob o comando de Semyasa decidiram
engendrar filhos com as mulheres da nossa Terra. Cada guardião
comportadamente tomou uma só esposa. Essas duzentas mulheres engendraram
3.000 gigantes (!).
Segundo o Livro
de Henoc, os anjos guardiães teriam ensinado aos terráqueos a
fabricação de armas, a produção de cosméticos, a adivinhação pelos
astros e a feitiçaria. Se ensinaram, é porque
conheciam e tinham. Ensinaram o que eles tinham nos seus planetas. Ora,
que sentido teriam esses conhecimentos no conceito tradicional de anjos?!
Para os partidários dos OVNIs, esses guardiães
seriam ETs que tinham por missão velar o comprimento da lei nos diversos
planetas habitados.
Mas aconteceu que os gigantes começaram a
devorar homens... E os homens, aterrados, clamaram a Jahweh. O Altíssimo
envia então o anjo Uriel para prevenir Noé do dilúvio com que planeja
matar os gigantes; e para reprimir Semyasa, Azazel e demais anjos
guardiães, envia Miguel.
Os guardiães --ou extraterestres-
rebeldes, organizaram-se militarmente com um chefe para cada
dezena. Mais adiante, nos capítulos 37-71, o Livro
de Henoc vai apresentar repetidamente Satã como chefe dos guardiães
perversos. Ou vários Satãs, vários chefes. Esta última parte do Livro
de Henoc é já bem próxima da época de Cristo, certamente não mais
distante Dele que os primeiros
decênios antes de Cristo.
As milícias de guardiães e seus chefes
foram vencidos pelas milícias de Miguel, e ficaram acorrentados em grutas
subterrâneas durante 70 gerações.
Setenta gerações em
ocultismo significa
por tempo incalculável. Expressamente
se diz: "até o dia do Grande Julgamento (até
o fim do mundo), quando serão lançados, junto com os homens maus, às
masmorras de fogo". Um pouco de humorismo: Estes demônios não
molestam mais!
Os espíritos dos gigantes mortos no dilúvio,
porém, segundo o Livro de Henoc,
percorrem continuamente toda a Terra, fazendo mal aos homens.
Também estes demônios serão condenados, mas só no dia do Juízo
Final.
O Primeiro
Livro de Henoc alcançou grande prestígio no judaísmo da época de
Cristo. Era conhecido pelos escritores do Novo Testamento, e muitos Santos
Padres e Escritores Eclesiásticos, erradamente o tinham como inspirado
tal como os livros canônicos da Bíblia.
Livro
dos Segredos de Henoc. Recentemente apareceu outro livro com título
parecido, o Livro dos Segredos de
Henoc, 2º Livro de Henoc (2Hn), ou Henoc eslavo (Hn-esl)
porque só numa versão eslava chegou completa até nós. Contra o que
muitos acreditavam até há pouco tempo, foi demonstrado que é uma
compilação de lendas feita na Idade Média. Desprezemos o absurdo de
viagens cósmicas (ou extraterrestes) de Jesus-Cristo. Destaquemos
unicamente a repetição da lenda de gigantes: Jesus teria encontrado
guardiães, prisioneiros por terem mantido relações sexuais com mulheres
da nossa Terra, induzidos por
Satanás.
Livro
dos Jubileus. Também
outro apócrifo, o Livro dos
Jubileus (Jb), fala dos gigantes. Jb começou a ser escrito no século
II a. C., embora um pouco posterior ao
principal de 1Hn, chegando a ser concluído talvez até no século II d.
C. Apresenta a história bíblica do Gênesis e dos 12 primeiros capítulos
do Êxodo segundo a mentalidade do judaísmo contemporâneo de Cristo e
com as lendas judaicas ou midrashim. Deve seu nome ao fato de suas lendas
serem apresentadas em períodos jubilares de 7
em 7 anos. O Livro dos Jubileus repete
a lenda de que os anjos-guardiães, ou ETs,
vieram ao nosso mundo a ensinar aos homens, mas logo se apaixonaram pelas
mulheres da Terra...
Quase todas as fontes desta lenda falam em
relações sexuais com mulheres, não de varões da Terra com guardiães
femininos. As viagens interplanetárias só seriam feitas por astronautas
varões. O machismo, pelo visto, tão arraigado entre os judeus, teria
bases cósmicas!
Em Jb não se fala expressamente da origem
dos daímones maus ou
demônios atormentadores, mas claramente se dá por suposto em todo o
livro que são os espíritos dos gigantes mortos, como afirmava o Primeiro
Livro de Henoc. Noé suplica a Deus que reprima aos daímones,
encerrando-os nas masmorras do castigo, mas "o príncipe dos espíritos",
Mastema, consegue de Deus que uma décima parte dos demônios continue na
terra pondo à prova os homens. Mais um pouco de humorismo: Só uma décima
parte! De 3.000 gigantes a imensa maioria foi acorrentada nas masmorras até
o fim do mundo. Alguns, quantos?, foram
mortos, e só uma décima parte dos espíritos destes mortos...
Bom, a coisa não ficou tão grave!
Queda
de anjos? A origem lendária da queda de anjos rebeldes fica assim
muito clara. Igualmente fica clara a origem da crença em demônios que
atormentam os homens. Depois os cristãos simplificaram e concretizaram. Simplificaram
a estritamente isso, guerra de anjos; e concretizaram dizendo que os anjos
rebeldes foram capitaneados por Lúcifer, e os bons capitaneados por São
Miguel. Tiraram todos os outros enfeites mitológicos.
Mas nenhum texto bíblico pode com direito ser invocado. No início do Antigo Testamento, no Gênesis, alude-se ao mito dos pagãos a respeito de deuses que se apaixonaram de mulheres humanas: "Os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas, e tomaram como esposas todas as que mais lhes agradavam. Quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e estas lhes davam filhos, os Nefilim (= gigantes) habitavam sobre a Terra; estes homens foram os heróis dos tempos antigos" (Gn 6, 2.4).
Na interpretação ocultista da Bíblia, os
rabinos muito fantasiaram sobre as relações sexuais dos "filhos de
Deus" com as mulheres humanas. Escrevem no Talmud: Já desde Adão,
que "todos estes anos engendrou espíritos, demônios e fantasmas
noturnos; pois se diz: 'quando Adão tinha 130 anos engendrou à
sua imagem e semelhança', o que quer dizer que antes tinha engendrado
seres que não eram à sua imagem e semelhança". Mais ainda, no
Talmud chegam a sugerir também que guardiães femininos tiveram relações
sexuais com varões humanos. Durante todo esse tempo, da mesma maneira que
Adão fecundava guardiães femininos, também Eva teria engendrado de
guardiães masculinos, dando-lhes abundante descendência (Rabba 24,6).
A
intenção desmitizante.
A intenção de "batizar" a lenda aparece clara nesse texto bíblico.
O Gênesis diz que os Nefilim, os gigantes, "estes homens famosos
foram os heróis dos tempos antigos" (Gn 6,4). A Bíblia está
claramente ensinando que os gigantes, gerados por anjos guardiões ou
deuses pagãos, astronautas
vindos de outros planetas, tudo isso na realidade são lendas a respeito
de meros homens, heróis miticamente engrandecidos.
Igualmente a expressão
Filhos de Deus significa originariamente deuses,
como filhos
dos homens simplesmente significa homens.
Igualmente filhas
dos homens significa mulheres.
(Como posteriormente aquela expressão típica de Cristo: filho
do homem; quer ressaltar que Ele, apesar da Sua divindade, não deixa
de ser plenamente também homem). O Diabo ou Satã é um dos "filhos de Deus", um dos deuses de tantos que os pagãos cultuavam. Na Bíblia está escrito: "No dia em que os filhos de Deus vieram se apresentar a Iahweh, entre eles veio também Satanás" (Jó 1,6). E logo depois: "Num outro dia em que os Filhos de Deus vieram se apresentar novamente a Iahweh, entre eles veio também Satanás" (Jó 2,1).
A expressão "filhos de Deus" logo
vai ser modificada, ressaltando a desmitização. A expressão original
antiga num dos primeiros livros da Bíblia diz: "Quando o Altíssimo
repartia as nações (...) fixou fronteiras para os povos, conforme o número
dos filhos de Deus" (Dt 32,8). Significaria "conforme o número
dos deuses". Esta expressão,
"Filhos de Deus", é de fato a expressão original, conforme
acaba de confirmar um fragmento de Qumran. Os Setenta,
porém, mitigaram a expressão, traduzindo: "Conforme o número dos anjos
de Deus". E o significado verdadeiro desse texto da Bíblia o dá
bem a entender a edição hebraica dos massoretas, comum entre os antigos
judeus: "Conforme o número dos filhos de Israel",
isto é, simplesmente "segundo o número de pessoas". Na realidade é que a Bíblia, como Revelação doutrinal, vai combatendo o politeísmo pedagogicamente, aos poucos. Primeiro exalta a figura de Iahweh sobre os deuses ou "filhos de Deus", Iahweh é o "Deus dos deuses", "Levanta-se Iahweh no meio do conselho dos deuses", etc. Depois virão os profetas insistindo em que só há um único Deus.
Embora sem deixar o estilo exagerado e metafórico, tipicamente
oriental (Deus arrependendo-se?),
bem claro fica na Bíblia que Iahweh não se "irritou"
contra os deuses e semi-deuses, guardiães, gigantes...: tudo
isso não passa de mitos. Iahwéh se "irritou" contra os homens:
"Meu espírito não se responsabilizará eternamente pelo homem,
pois ele é carne (...). Iahweh arrependeu-se de ter feito o homem
sobre a Terra (...). E disse Iahweh: 'Farei desaparecer da superfície do
solo os homens que criei (...), porque me arrependo de tê-los feito´"
(Gn 6,3,6s).
O Livro
dos Jubileus corrige com lógica 1Hn, mostrando, expressamente, que se
os culpados foram os anjos guardiões e os gigantes, o dilúvio não
poderia ser para castigar os homens. Se o termo "Filhos de Deus"
não designasse seres humanos, da nossa Terra, não se compreenderia por
quê Deus haveria de irritar-se com a humanidade.
Mais
ainda, o 2º Livro de
Henoc diz bem claramente, entre tantas obscuridades e contradições,
que o pecado foi responsabilidade exclusiva dos homens. Deus
não amaldiçoou Satã nem nenhum outro dos daímones ou supostas
divindades. Amaldiçoou somente a ignorância humana.
Em outros dois textos da Bíblia aparece
primeiro um reflexo impressionante da lenda dos filhos de Deus,
anjos-guardiões, que gerariam gigantes. Impressionante, apesar de
pretender "batizar" os guardiões identificando-os com anjos.
Mas depois, em outro livro bíblico posterior, a desmitização do episódio, num texto paralelo, é claríssima.
Primeiro:
O reflexo da lenda. No Gênesis. Os guardiões tiveram que voltar a
Sodoma e Gomorra para verificar se continuavam com os vícios verificados
em viagens anteriores. Disse então Iahweh: "O grito contra Sodoma e
Gomorra é muito grande! Seu pecado é muito grave! Vou descer e ver se
eles fizeram ou não o que indica o grito que contra eles subiu até mim.
Então ficarei sabendo" (Gn 18,20s). Subiram até Deus reclamações?
Deus precisa descer à Terra para poder ver
e só assim ficará sabendo? É impressionante até onde calou esse
reflexo da lenda.
E aparece de novo o intento de relacionamento
sexual, desta vez por iniciativa dos homens desejando gerar gigantes:
"Ao anoitecer, quando os dois anjos chegaram a Sodoma (...), Ló se
levantou ao seu encontro e prostrou-se com a face por terra. Ele disse:
'Eu vos peço, meus senhores! Descei à casa de
vosso servo para aí passares a noite e lavar-vos os pés; de manhã
retomareis vosso caminho´ (...). Tanto insistiu que foram para sua casa e
entraram (...) e comeram. Eles não tinham ainda deitado, quando a casa
foi cercada pelos homens da cidade (...), todo o povo sem exceção (...).
'Onde estão os homens que vieram para tua casa esta noite? Traze-os para
que deles abusemos´. Ló saiu à porta e, fechando-a detrás de si,
disse-lhes: 'Suplico-vos, meus irmãos, não façais o mal! Ouvi: tenho
duas filhas que ainda são virgens; eu vo-las trarei: fazei-lhes o que bem
vos parecer, mas a estes homens nada façais´ (...). Arremessaram-se
contra ele, Ló, e chegaram para arrombar a porta. Os homens, porém,
(...) aos homens que estavam à entrada da casa, eles os feriram de
cegueira (...). Disseram a Ló (...): 'Vamos destruir este lugar, pois é
grande o grito que se ergueu contra eles diante de Iahweh, e Iahweh nos
enviou para extermina-los´" (Gn 19,
1-13).
Segundo:
A desmitização. Esta visita dos misteriosos anjos guardiões,
extraterrestres, a Ló tem em outra oportunidade um paralelo absolutamente
sem alusão ao mito, usando símbolos plenamente humanos: "Fazemos o
caminho de Belém de Judá para o vale da montanha de Efraim, é de lá
que eu sou. Fui a Belém de Judá e volto para casa (...).
Tenho (...) pão e vinho para mim, para a tua serva e
para o jovem que acompanha o teu servo (...). 'Sê bem-vindo´,
disse-lhe o velho (...). 'mas não passes a noite na praça´. Então ele
o fez entrar na sua casa (...). Os viajantes lavaram os pés e depois
comeram e beberam. Enquanto assim se reanimavam, eis que surgem vagabundos
da cidade, fazendo tumulto ao redor da casa e, batendo na porta com golpes
seguidos, diziam (...): 'Faz sair o homem que está
contigo, para que o conheçamos´ (sexualmente). Então o dono da
casa saiu e lhes disse: 'Não, irmãos meus, rogo-vos, não pratiqueis um
crime (...). Aqui está minha filha, que é virgem. Eu a entrego a vós.
Abusai dela e fazei o que vos aprouver, mas não
pratiqueis para com este homem uma tal infâmia´ (...). As tribos
de Israel enviaram emissários a toda a tribo
de Benjamim com a mensagem: 'Que crime é esse que se cometeu entre vós?
Agora, pois, entregai-nos (...) esses bandidos (...) para que os
executemos e extirpemos o mal do meio de Israel´"
(Jz 19,18-25 e 20,12s).
A intenção desmitizante é também muito
antiga.
No "evangelho hindu", o Bhagavad-Gita
(que está em extensão e importância para o Mahabharata
do poema épico dos Vedas como o Evangelho está para a Bíblia),
transmitido por tradição oral anterior a
5.000 anos a.C., narra-se o combate entre os exércitos do bem e do mal.
Krishna anima o vacilante príncipe Arjuna a lançar-se com o exército
dos Pândavas contra os exércitos dos Kurus, chefiados por Duryôdhana,
no campo de batalha de Kurukshetra.
Krishna, encarnação do Espírito Supremo
-bem poderíamos traduzi-lo por Cristo--. Arjuna e os Pândavas --ou São
Miguel e seus anjos-- representam a humanidade como conjunto e como indivíduo,
com seus desejos e tendências à perfeição e ao Sagrado. Enquanto que
Duryôdhana e seus Kurus --Lúcifer com seus demônios--, são a outra
parte do homem, as forças do mal tais como o ódio, a luxúria, o egoísmo...
Kurukshetra é a própria natureza de cada homem e da humanidade dividida
em dois reinos antagônicos --Cristo e anticristo--.
A interpretação simbólica, desmitizante,
que acabo de apresentar do Bhagavad-Gita
foi e é a
mais comum entre os sábios da Índia.
Poderia fazer idêntica explicação
desmitizante, simbólica, de outras lutas entre o bem e o mal de outras
mitologias do antigo Oriente, como a de Marduc e Tiamat na religião de
Babilônia; de Ormazd e Ahrimam na antiga religião iraniana, etc.
Este mito iraniano é particularmente
interessante para a lenda judaico-cristã de luta de anjos bons e maus.
Forma parte do Zervanismo, forma especial da religião de Zaratustra
desenvolvida na região ocidental do Irã, nos centros de dispersão dos
persas. As divindades subalternas más, esquadrões das trevas (anjos
rebeldes) capitaneados por Ahriman (Lúcifer), atacam a fortaleza do Céu,
onde reside o Deus Supremo, único verdadeiro
Deus, Zervan. Ao encontro das divindades más saem os resplandecentes
guerreiros (os anjos bons) capitaneados pela
divindade boa Ormazd (São Miguel). Zervan não intervém. Quando
Ahriman está a ponto de chegar ao Céu fazendo recuar os exércitos de
Ormazd, o campo de batalha se afunda nas trevas. Ahriman com seus exércitos
ficarão acorrentado e retidos para sempre no
abismo tenebroso. Novamente um pouco de humor: "Acorrentados e
retidos para sempre", os demônios não molestam mais.
A lenda da queda dos anjos se inspirou,
imediata ou mediatamente, no Bhagavad-Gita,
na mitologia babilônica, na mitologia iraniana...? Tudo é produto de uma
mesma mentalidade oriental? A coincidência é manifesta.
Alusões neotestamentárias.
No
Novo Testamento encontram-se duas alusões, e provavelmente só duas, à
lenda dos anjos rebeldes. São Judas: "Os anjos que não conservaram
o seu principado, mas abandonaram a sua morada, guardou-os presos em
cadeias eternas, sob as trevas, para o juízo do Grande Dia" (Jd 6).
E São Pedro: "Deus não poupou os anjos que pecaram, mas lançou-os
nos abismos tenebrosos do Tártaro, onde estão guardados à espera
do Juízo" (2Pd 2,4). Alusões ao mito. Instrumento de linguagem para
Revelar a justiça e no fim o perdão por Deus a quem se arrepender. Seria
significativo em ambos textos, humoristicamente tomando-os ao pé da
letra: os demônios não molestam mais, estão em cadeias eternas, guardados
nos abismos tenebros.
Quando Cristo (Mt 25,41) fala do fogo
preparado para o Diabo e seus anjos, está também aludindo à lenda da
queda? Talvez. Mas de acordo com outros textos neo-testamentários
(1Cor 5,5; 1Tm 1,20; 1Tm 3,6) e extrabíblicos (1Hn 63,3; Documento
de Damasco 8,2) em todo caso esta indicando meramente o castigo dos
homens pecadores = servidores do Diabo. Igualmente: Segundo o Apocalipse os anjos e seu chefe Miguel, após rude combate, precipitaram sobre a Terra "o grande Dragão, a antiga Serpente, o chamado Diabo, ou Satanás, Sedutor" e seus anjos (Ap 12,7-11). Na realidade não se ratifica ou Revela a queda dos anjos, senão que se simboliza a vitória da Redenção contra as dificuldades dos cristãos. "O acusador dos nossos irmãos" teria algo que ver com o milenar conceito do Diabo, sendo que fica "dia e noite diante do nosso Deus"? (Ap 12,10). Todo o texto é enormemente alegórico e seria simplismo interpretá-lo como Revelação de uma real batalha e queda de anjos!
Além do mais é já de longa data (Cassiodoro,
480-575) e é mais esclarecida, indiscutível à luz da ciência, outra
interpretação: A "luta dos anjos" no Apocalipse refere-se ao
presente e futuro do cristianismo, não a um longínquo passado, antes da
criação da humanidade. O Apocalipse é "o livro da profecia",
descreve o futuro do cristianismo. Como é possível que os
"defensores dos demônios" não saibam nem sequer isto?
Algo de análogo a frase de Cristo que vê
Satã caindo do Céu como um raio (Lc 10,18): se é que alude a essa
lenda, na realidade só esta querendo metaforicamente afirmar que os apóstolos
estão vencendo o mal.
Afinal
qual teria sido o pecado dos anjos? Não posso me deter
pormenorizadamente nas diversas concretizações que os Santos Padres,
Escritores Eclesiásticos,
Doutores da Igreja e teólogos ao longo dos séculos aplicaram ao
suposto pecado dos anjos. Como acabamos de ver, a tal queda dos anjos não
pertence à Revelação, portanto não pertence à Teologia, é tema da ciência,
embora deva interesar, e muito, aos teólogos mesmo que só fosse para
colaborar com a Parapsicologia em tirar tanta superstição em favor de
uma fé racional. Nenhuma das disquisições teológicas
sobre o pecado dos anjos têm base. Nem posso me deter em
profundidade, nas puras elucubrações falsamente filosóficas que fizeram
para explicar como poderiam pecar apesar de estarem contemplando a
"face de Deus" e portanto
irresistivelmente atraídos pelo Sumo Bem. Somente apresento brevíssimas
alusões, complementares do tema tratado.
Atenágoras julgou que alguns
anjos-potestades foram condenados porque não governaram bem os diversos
elementos do mundo que lhes teriam sido confiados. Pressuposto
manifestamente de origem pagã.
São Irineu, Teruliano e São Gregório
Niseno aceitam o absurdo de que os anjos teriam se deixado levar por ciúme
com respeito à humanidade por ser amada por Deus. Fundamentam-se (?!)
só no apócrifo Vida de Adão e
Eva. Feito à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27), Adão seria mais
glorioso do que os anjos! Deus teria pedido aos anjos que venerassem Adão.
São Miguel e seus anjos teriam obedecido; Satã e os seus, não. Na
realidade o Gênesis nem sugere nem dá enseio para tais conclusões.
Taciano, Orígenes, São Gregório
Nazianzeano, Santo Agostinho, São Gregório Magno..., embora
elaborem mais seus pensamentos, não estão mais acertados em nenhum dos
seis itens: 1) O Eclesiástico afirma que Deus rejeita a soberba (Eclo 10,15). Por soberba, multidão de anjos não teria aceito que Deus se fizesse homem e não anjo. Ora, sua soberba lhes faria acreditar que eram mais inteligentes que Deus? Seriam os anjos tão pouco inteligentes, que nem perceberam a necessidade de redenção que tinham os homens pecadores?
2) Ou teriam se negado a adorar a Cristo.
Ora, acaso eles não queriam adorar a Deus?
3) O pecado teria sido tentar Eva no paraíso.
Ora, o sentido da lenda do paraíso é outro. O paraíso não se pode
interpretar em sentido material. Voltaremos a isso em outra oportunidade,
ao refutarmos o erro de atribuir as tentações aos demônios. Ao maior absurdo, influenciados pelos mitos pagãos que acabamos de ver, descem São Justino, São Clemente de Alexandria, São Cipriano, São Eusébio de Cesareia...: os anjos pecaram sexualmente com mulheres! Para Justino, como para Taciano e Teófilo de Antioquia, duas correntes bíblico-judaicas de demônios-potestades que não governaram bem o mundo, e demônios-anjos que pecaram com mulheres no tempo de Noé, se unem numa terceira interpretação: foram as potestades que pecaram com mulheres; menos Satã, "o príncipe dos demônios": este pecou quando, transformado em serpente, tentou a Eva no Paraíso. Outras correntes, entre elas a dos anjos rebeldes e caídos antes da criação do nosso mundo, foram ignoradas. Santo Agostinho, com sua genialidade, conseguiu amalgamar quase tudo! Agostinho modificou as fontes, violentou-as, adaptou-as, cortou o que não encaixava, acrescentou o que achava que faltava. A demonologia entrou em um verdadeiro leito de Procusto, aquele bandido que esticava os seus seqüestrados se eram demasiado pequenos para o leite de ferro, ou lhes cortava as pernas se não cabiam nele. Agostinho admite a possibilidade de que os anjos com um corpo tênue, depois da queda, pecaram com mulheres. Com Orígenes (ou com seu tradutor e prefaciante Rufino), Agostinho também identifica os demônios com os anjos que com seu chefe, Lúcifer, se rebelaram antes da criação do mundo. E estes mesmos anjos, rebeldes ou não, seriam as potestades que receberam o encargo de governar o mundo e todas as forças da natureza. Os anjos rebeldes seriam os que atuam por trás dos ídolos. E eles mesmos seriam os que residem pelos "espaços celestes", e também nos "abismos tenebrosos do Tártaro" (2Pd 2,4). "Dominadores deste mundo de trevas" (Ef 6,12). Etc .
E muitas outras interpretações ao longo dos
séculos. Meras disquisições que pulularam nas Universidades Teológicas
medievais, e que ainda vivem por todas partes.
DIABO
NADA TEM A VER COM DEMÔNIOS. Como
vimos no artigo anterior o termo demônio
(ou algum equivalente exato em hebraico e/ou aramaico) não aparece
nunca no original do Antigo Testamento. Portanto. Também não há nenhuma
possessão demoníaca no Antigo Testamento. Em contrapartida, no Novo
Testamento, os demônios aparecem 73 vezes. Por quê essa diferença? É
um argumento importantíssimo para quando, em outra oportunidade,
demonstremos que não há possessões demoníacas.
No Novo Testamento, distingue-se entre o
Diabo e demônios. Também o perceberam e distinguiram acertadamente
alguns Santos Padres (São Justino, Tertuliano, São Clemente de
Alexandria...), porque alcançaram alguns conhecimentos científicos do
vocabulário e modo de pensar e de expressar-se na época em que se
escreveu a Bíblia, e sobre a cultura judaica e a influencia de diversas
culturas pagãs. O Diabo ou o Satanás são sempre apresentados no original da Bíblia no masculino, no singular, com maiúscula a primeira letra, e com artigo determinado. Sinônimos de "o Satanás" , são o Maligno, o Inimigo, o Príncipe deste Mundo, o Pai da Mentira, etc.
Para o termo "o Satanás", não
podem ser considerados exceções os textos de Mt 4,10; 16,23; Lc 4,8;
20,3; Mc 8,33, porque em todos estes casos
Satanás aparece em vocativo e portanto não pode levar artigo.
O Diabo só uma vez aparece sem o artigo
determinado, mas também não pode ser considerado
exceção. A tradução deve ser: "Não vos escolhi Eu aos
doze? No entanto um de vós é um
Diabo" (Jo 6,70), como o Diabo.
Mc 3,23 seria a única exceção? Também não!
A tradução tem que ser mesmo com artigo e adjetivo indeterminados
para contrapor dois hipotéticos
Satanás: "Como pode um
Satanás expulsar outro
Satanás?" No Novo Testamento, só em duas oportunidades (Mt 25,41 e Ap 12,7-9) junto ao Diabo (o Dragão, no Apocalipse) são colocados "seus anjos". Eles são subordinados; mas seriam da mesma espécie? Tal conceito é contraditório com o conceito geral que se reflete na Bíblia: o Diabo é apresentado como único. Essa é a função do artigo determinado na gramática grega do Novo Testamento. "Seus anjos" nestas ocasiões refere-se simbolicamente aos homens maus, aos falsos profetas.
DEMÔNIOS
NADA TÊM A VER COM O DIABO. Não são da mesma espécie. Em
contraposição ao Diabo, com
referência aos demônios nunca se usa o artigo determinado. Não se
refere a uma pessoa, nem em masculino nem em feminino. Se usada a
palavra que traduzimos por demônio, sempre se coloca em neutro (coisa): daimónium.
Usa-se também o plural do neutro: daimónia.
Usam-se os sinônimos: espíritos
impuros, espíritos imundos, etc. no singular ou no plural. Tudo
completamente diferente de "o Diabo". Os demônios não são
tentadores, não agem no âmbito moral. É o Diabo ou Satanás que
relacionam com tentações e pecados.
Em nenhuma parte da Bíblia se apresenta o
Satã ou o Diabo atormentando possessos.
Nunca se fala de possessões satânicas ou diabólicas.
Quando "o Satanás
entrou em Judas" (Lc 22,3; Jo 13,27) simplesmente significa que é o
pecado voluntário e culpável que entra; o mesmo no caso de Ananias cujo
coração foi enchido por o Satanás
(At 5,3). O Diabo ou o Satã é, nestes casos, a personificação ou símbolo
do pecado.
A mesma identificação do pecado como sujeição
ao Satã aparece em outros textos: "A fim de (...) voltarem das
trevas à luz, e do poder do Satanás a Deus, e alcançarem pela fé em
Mim a remissão dos pecados" (At 26,18). Contra Elimas, contra o
pecado de magia, exalta-se São Paulo, e "repleto do Espírito Santo,
fixou nele o olhar e disse: 'Ó filho do Diabo'" (At 13,8). É o
pecado da superstição (At 19,18). Ou o pecado da crença de que a
telepatia se deve a algum espírito do além (At 16,16). Ou o pecado da
idolatria (At 19,26). Etc., etc. Alguns Santos Padres utilizarão a mesma comparação simbólico-cultural. Identificam o pecado e o Satanás: são obra do Diabo os enfeites femininos (Ireneu, Tertuliano, Cipriano), a astrologia e a adivinhação em geral (Tertuliano, Clemente de Alexandria) e inclusive certa filosofia (Clemente de Alexandria). São Pedro uma vez atribui ao Diabo o controle das doenças (At 10,38), mas o exerceria por meio dos demônios (Lc 10,17-19; 13,11-16; Mt 12,22-29; Mc 3,22-27). São os demônios, não o Diabo, os que causam certas doenças. Ou melhor, os demônios são doenças. Teremos que provar isto a fundo quando em outra oportunidades analisarmos as mal chamadas possessões demoníacas...
Em
poucas palavras: O Diabo e demônios são conceitos diferentes. Demônios
relacionam-se com doenças. O Diabo relaciona-se com o pecado. Os demônios
estão na ordem física, e o Diabo ou o Satã, na ordem moral.
Conclusão.
Em nenhuma parte da
Bíblia se Revela a tal de guerra de anjos
bons capitaneados por São Miguel, e anjos mãos capitaneados por Lúcifer.
Não faz parte da Revelação de doutrina sobrenatural. Trata-se de
cultura humana, de mitos e lendas humanas, absolutamente sem fundamento.
LÚCIFER. Não é raro que a Bíblia aluda ou use como instrumento de linguagem a mitologia greco-romana e tantas outras mitologias, que influíram na cultura dos povos vizinhos e do próprio povo judeu, direta e principalmente através da mitologia cananéia. Metáfora. Instrumento de linguagem, como tal plenamente alheio à Revelação, para transmitir a verdadeira Revelação Doutrinal, Sobrenatural.
O Salmo 82 chega até a apresentar Deus, o único
Deus, contraditoriamente ameaçando outros deuses de fazê-los
simplesmente mortais em castigo pelas suas injustiças. A ameaça divina
meramente metafórica -é evidente- foi posteriormente materializada pelos
judeus e cristãos, convertendo esses daímones ou deuses pagãos em demônios
ou anjos rebeldes
Como
aludíamos no artigo anterior, Lúcifer, ou Luzbel, passou a ser
considerado na cultura cristã o chefe supremo de todos os demônios.
Os anjos bons, capitaneados por São Miguel, haveriam derrotado todos os
anjos maus, capitaneados por Lúcifer, expulsando-os do Céu.
Após Orígenes, começou-se a identificar Lúcifer
com Satanás ou O Diabo. O quê tem a ver Lúcifer com o Satanás, com
"o príncipe dos demônios"? Tudo puras disquisições de teólogos
sem olharem para a ciência.
O
falso fundamento. Na realidade, Isaías (14,12) não faz nada mais que
comparar a queda dum tirano -o rei da Babilônia, sem dúvida
Nabucodonosor ou Nabônides- à queda de Helél
bem Shahar da mitologia fenícia. Na epopéia mítica de Râs-Shamra
aparecem as divindades Estrela
d'Alva e Aurora. Reuniam-se
com os outros deuses na Montanha da
Assembléia, como os deuses greco-romanos no Olimpo.
Ora, Helel
bem Shahar ou a Estrela
d´Alba, é o planeta Venus, a estrela mais brilhante ou Lúcifer (=
Que leva a luz), a primeira estrela que aparece e a última que some.
Queda de Lúcifer. A estrela mais brilhante. E transformou-se na queda de
Satanás, e no príncipe dos anjos rebeldes.
Na versão latina da Bíblia, a queda de Hélél
bem Shahar converteu-se na queda de "Lúcifer,
que aparece pela manhã", a Aurora. E outras traduções, como a Bíblia
de Jerusalém, apresentam a versão etimológica: "Estrela
d'Alva, filha da Aurora".
São João, no Apocalipse, visa também ao
significado etimológico: o próprio Cristo é chamado Lúcifer:
"Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a
brilhante estrela da manhã" (Ap 22,16). Haveria que pôr Lúcifer.
Mas estando tão difundida a lenda da queda dos anjos, nenhum
tradutor atreveu-se a colocar Lúcifer...
E a Igreja repete essa aplicação de Lúcifer a Cristo no Exultet
da Vigília Pascal, quando se acende o cirio representando a Jesus
Ressuscitado. Haveria que dizer "Eis o verdadeiro Lúcifer",
em vez de "a
verdadeira estrela da manhã".
O
"ANJO DE IAHWEH". E quê dizer de São Miguel? Na Bíblia consta, por exemplo: "Clamamos a Iahweh. Ele ouviu a nossa voz e enviou o Anjo que nos tirou do Egito" (Nm 20,16). O "Anjo de Iahweh" na Bíblia é sempre o próprio Deus. Em Êxodo (14,19), descrevem-se "o Anjo de Deus que ia adiante do exército de Israel (...), a Coluna de Nuvens (...) diante deles". Já em Números (17,7) esse Anjo de Deus e essa Coluna de Nuvens são a Glória de Iahweh, o próprio Deus: "Moisés e Aarão, ambos se dirigiram para a tenda da Reunião. Eis que a Nuvem a cobriu e a Glória de Iahweh apareceu".
Só três nomes próprios de anjos aparecem
na Bíblia: Miguel, Rafael e Gabriel. El
significa o próprio Deus.
Assim Rafael significa Deus
cura. Por sua parte, Gabriel significa
Deus revela. Foi um anjo que se
apareceu a Nossa Senhora na Anunciação? Claro que não. Muito teremos que
falar em outras oportunidades a respeito das Aparições... E não foi São
Miguel, nada menos!, quem teria capitaneado os anjos bons conta Lúcifer e
seus anjos. Miguel significa o
poder
de Deus.
É
que os judeus consideravam falta de respeito nomear Jahweh
diretamente, por isso esses circunlóquios: o anjo de Iahweh, a nuvem
de Iahweh, a sombra de Iahweh..., ou como acabamos de frisar, Miguel,
Rafael, Gabriel ou a força, a cura, a comunicação de Iahweh.
O PRÓPRIO
DEUS OU O SATANÁS. No
começo do artigo vimos o daímon,
o deus, da torrente lutando contra Jacó. E por fim abençoando-o (Gn
32,23-31). Esse demônio a Bíblia o transformou no próprio Deus. Vimos
também afirmar-se expressamente que Satã era o próprio Iahweh:
"Sou Eu (Iahweh) que vim contra ti em Satã" (Nm 22,32par).
O
mesmo acontece em outras oportunidades, algumas também já aludidas nos
artigos anteriores. Por exemplo no Livro
de Samuel se apresenta Iahweh inflamando em cólera contra Israel e
incitando Davi a provocar a desobediência do povo fazendo recenseamento
proibido, para que Deus tenha motivo de castigá-lo (2Sm 24,1). Quando,
porém, mais tarde o Livro das Crônicas
refere o mesmo episódio, substitui o nome de Iahweh pelo de Satã,
como nome próprio (1Cor 21,1).
A função do Satã no Livro de Jó é
submeter à prova a paciência e fidelidade do santo a Deus. Outras provações
ou dificuldades nos livros anteriores da Bíblia eram abertamente atribuídas
diretamente a Deus: "Deus pôs Abraão à prova" (Gn
22,1). "Foi lá que Ele (Iahweh) os colocou à prova" (Ex
15,25; ver também 16,4). "Moisés disse ao povo: 'Não temais, Deus
veio para vos provar'" (Ex 20,20). "O caminho que Iahweh teu
Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, a fim de
humilhar-te, tentar-te e
conhecer o que tinhas no coração (...), para te humilhar e te
experimentar" (Dt 8,2-16); "Porque é Iahweh vosso Deus
que vos experimenta" (Dt 13,4); "A ira de Iahweh se
inflamou então contra Israel (...) a fim de (...) submeter Israel à
prova" (Jz 2,22; cfr. 3,1-4). Etc. O povo judeu não suportava, por não compreendê-la, a idéia de que Iahweh pudesse causar (na realidade: permitir) qualquer acontecimento desagradável para seu povo. A figura de Satã, como personificação do mal, ofereceu a solução para o problema. Nem por esse subterfúgio o Livro de Jó deixa de afirmar, bem no início da tragédia, que todas as desgraças que Satã inflige ao santo são com expresso consentimento do Altíssimo: "Iahweh disse a Satanás: pois bem, tudo o que ele possui está em teu poder, mas não estendas tua mão contra ele" (1,12).
E nem por esse subterfúgio Jó deixa de
atribuir suas desgraças a Deus: "Os terrores de Deus
assediam-me" (6,4). E falando com Deus, pergunta: "Por
que não afastaste de mim o olhar? (...). Por que me tomas por alvo?"
(7,19s). E a lição que a Biblia quer incutir: "Iahweh o deu,
Iahweh o tirou, bendito
seja o nome de Iahweh"
(1,20). É Deus que na sua Infinita sabedoria sabe por quê permite as
provações e como na sua Divina Providência poderá tirar o bem.
Na
tradução grega dos Setenta chama-se ho
Diábolos, o Diabo, ao Satã das Crônicas ou Paralelipônemos (1Cr
21,1). Igualmente, com referência ao Satã do Livro de Jó, igual faz-se
com o Satã que no Livro do Profeta Zacarias é o acusador do sumo
sacerdote Josué (Zc 3,1).
Em conclusão: Deus quando permite provações,
é representado por o Satã, o Diabo, personificação inexistente da
realidade do mal.
O PRÓPRIO
DEUS
OU UM DEMÔNIO. No Gênesis
(12,17), "Iahweh feriu Faraó com grandes pragas e também sua casa,
por causa de Sarai, a mulher de Abraão". Quando, porém, o "Apócrifo
do Gênesis" encontrado em Qumran recita o mesmo fato, é um espírito
mau, um demônio, que fere
os egípcios provocando-lhes chagas purulentas para impedir-lhes relações
sexuais; e curam-se quando
Abraão expulsa o mau espírito (Qumran, Genêsis Apócrifo 20, 16-24). Pode
ser significativo, ao menos é curioso, que em sânscrito ou devanagari
-"a escrita dos deuses"!- o mesmo radical Assur,
que significa deus, espírito
divino, luz divina, sopro divino, pode significar também demônio,
espírito maligno, trevas, sopro demoníaco. Igualmente, vimos que em
grego daímon tanto pode
traduzir-se por divindade como
por demônio.
O
PRÓPRIO DEUS OU DEUSES OU AS FORÇAS DA NATUREZA. Para
os pagãos, as doenças e mortes são semeadas pelos daímones do meio
ambiente, como o egípcio Set. Por exemplo a peste corresponde aos daímones
ou deuses babilônicos Erra e Nergal, e ao Resef cananeu. Ou as doenças e
a morte elas mesmas são deuses, como a deusa Zánatos = a morte. Essas
funções dos "daímones"
ou esses deuses maus das mitologias pagãs, na Bíblia freqüentemente são
atribuídas diretamente a Iahweh ou identificadas com Ele. "Se uma
calamidade semear morte repentina, Ele ri do desespero dos
inocentes (...). Se não for Ele, quem é então?" (Jó
9,23s.). "Sacrificar a Iahweh, nosso Deus, para que não nos
ataque com a peste ou com a espada" (Ex 5,3). "Então
Iahweh teve piedade da Terra e a peste deixou Israel"
(2Sm 24,25). "Levo cravadas as
flechas de Shadai e sinto absorver Seu veneno" (Jó
6,4; cf.14,18s). As
flechas, a espada, e os animais ferozes são símbolos conhecidos do maléfico
deus Astar, da mitologia síria. A respeito na Bíblia se suplica a Iahweh:
"Cercam-me touros numerosos, touros fortes de
Basã me rodeiam; escancaram sua boca contra mim como leão que
dilacera e ruge (...). Tu (Iahweh) me colocas na poeira da morte.
Cercam-me cães numerosos (...) (Iahweh) salva minha vida da espada,
meu único ser da pata do cão! Salva-me (Iahweh) da goela
do leão, dos chifres do búfalo minha pobre vida!" (Sl
22,13-22).
Atribuem-se a Deus as forças da natureza ou
do próprio homem. É Iahweh quem castiga com a lepra
a irmã de Moisés (Dt 24,9). Deus enviou contra o povo serpentes
abrasadoras (Nm 21,6); Ele
entrega Israel aos inimigos (Jz 2,14); "Eu lhe endurecerei
o coração" (Ex 4,21). Essas forças da natureza e do homem, quando em si mesmas benfazejas ou trazem benefícios, podem também ser representadas por Anjos de Deus, que como já vimos representam o próprio Deus. Como também já vimos, os nomes destes Anjos benfazejos, mesmo quando se trate claramente de forças da natureza ou do homem, vinculam-se à própria Providência Divina: Miguel = "Quem como Deus?". Gabriel = "Mensagem de Deus". Rafael = "Deus cura".
Da mesma maneira as forças da natureza e do
homem, quando em si mesmas ou imediatamente são prejudiciais ou acarretam
males, podem ser também consideradas "mau espírito procedente
de Iahweh" (1Sm 16,14). É o Anjo Devastador que arrasa
Jerusalém (2Sm 24,16), destrói Sodoma (Gn 19,13), mata todos os primogênitos
dos egípcios (Ex 12,12) e 185 mil assírios do exército de Senaquerib
(2Rs 19,35; 2Cr 32,21), destrói Jerusalém como contemplou Ezequiel (Ez
9,1), ou vinga Suzana com a morte dos anciãos caluniadores (Dn 13,55).
Em outros textos, porém, esses Anjos ou Espíritos
Maus procedentes ou enviados por Deus são o próprio
"mau espírito de Deus", ou "a ira de Iahweh"
(2Sm 24,1). No texto paralelo do Livro das Crônicas a ira de Deus, o próprio
Deus, é chamado Satã (1Cr 21,1).
Hoje devemos distinguir entre a ação de
Deus intervindo diretamente (milagre) por um lado, e por outro a ação da
natureza que a Divina Providência, sem intervir, quer ou
simplesmente permite (porque tudo colabora para o bem). A Bíblia,
para inculcar que não existe mais Deus que Iahweh, nem mais Divina Providência
que a do único Deus, não duvida em identificar Deus com os daímones,
deuses bons e deuses maus, dos países vizinhos, mas na realidade a Bíblia
está suprimindo todos esses demônios ou deuses. Um único Deus. Estas forças
da natureza são atribuídas e até identificadas com Deus ou com os
demônios, mas não passam disso: forças da natureza e humanas. MASTEMA.
No Gênesis (22,1-2), Deus submete Abraão à prova pedindo-lhe que
sacrifique seu filho Isaac. O verdadeiro significado o fornece o apócrifo
Livro dos Jubileus: quando
conta o mesmo episódio, é Mastema quem sugere a Abraão o sacrifício.
Mastema é um príncipe do céu que, como Satã
no Livro de Jó, tem acesso ao trono do Altíssimo. Mastema desempenha o
mesmo ofício e pronuncia praticamente as mesmas palavras que Satã no
Livro de Jó: "Havia vozes no céu a respeito de Abraão; dizia-se
que ele era fiel em tudo o que Deus lhe dizia (...). E o príncipe Mastema
veio e disse em presença de Deus: 'Eis que Abraão ama seu filho Isaac
(...). Diz-lhe, pois, que o ofereça em holocausto sobre o altar, e verás
se cumpre esta palavra. Reconhecerás então se Te é fiel em tudo o que
lhe provas´" (Jb XVII, 16). Igualmente: no Êxodo (4,24) se diz que é Iahweh quem assalta o in-circuncisso Moisés e intenta matá-lo ao regresso do Egito. No livro dos Jubileus (48,3), porém, é Mastema.
MONSTROS
NA BÍBLIA.
Também
hoje qualquer pessoa culta, tratando de qualquer tema, poético e mesmo
científico ou religioso, alude à mitologia grega ou latina. E nem por
isso haveríamos de pensar que tal autor acredita na existência dos
deuses Júpiter, Palas ou Posseidón... Da mesma maneira a Bíblia cita a
mitologia dos pagãos. Os exílios do povo judaico o puseram em contato
com os temores mágicos. Aos quais, por outra parte, são propensos. todos
os primitivos, no tempo ou na mentalidade, e portanto também o povo
israelita antigo. Após o exílio, na tentativa de evitar guerras ou de
ser dominados, e na época de Cristo em que caíram sob o poder romano, os
israelitas eram permeabilizados por culturas pagãs. Traziam-nas os judeus
das diásporas nas suas visitas a Jerusalém. Também o comércio com os
países vizinhos. Esses temores, convertidos em demônios, são citados na
Bíblia.
Isaías (13,21), por exemplo, no original,
fala de que no deserto habitava Lilith
e sua corte, uma divindade feminina dos babilônios, traduzida depois por Satanás
e seres peludos, e depois
identificados com demônios. A
eles, segundo o Levítico (17,7) e 2 Crônicas (11,15), ofereciam-se
sacrifícios como a divindades, embora divindades de segunda categoria. É
evidente que o Profeta não está aceitando nem Lilith
nem sua corte de grotescos daímones, demônios
peludos, nem que habitem no deserto.
Como não toma a sério Leviatã,
o deus monstro do mar, nem Lannin,
o deus dragão. Esses demônios-divindades da mitologia cananéia, citadas
no Ras-Shamra, poema de Zaratustra, são meros símbolos com que Isaías
(27,1) designa o Egito. O mesmo faz o salmista (Sl 74,13s). O monstro Leviatã
acreditavam que engolia o
deus Sol quando acontecia o que
hoje compreendemos como um eclipse. Os feiticeiros teriam poder de evocar
o monstruoso Leviatã! No Livro de Daniel, quatro bestas monstruosas saídas do mar (Dn 7,1-8) representam quatro impérios sucessivos (Dn 7,13-27).
No
Apocalipse, já no fim do Novo Testamento, se retoma a imagem dos
monstros. O Império Romano concretamente e em geral os homens que se opõem
ao Cristianismo são representados pelo mesmo símbolo de Grande
Serpente, monstros e bestas tais como
Rahab e Leviatã,
oriundos de um caos primitivo. Realmente impressionante é a descrição
joanina da aparição no céu do Grande
Dragão (ou Grande Serpente
em muitas traduções), "cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres
e sobre as cabeças sete diademas, sua cauda arrastava um terço das
estrelas do céu, lançando-as para a Terra" (Ap 12,3-4).
Visão magnífica. Mas metáfora: o Império
Romano e os inimigos do Cristianismo personificados pelo Diabo, Satã, o
Sedutor do mundo inteiro, o Inimigo, o Acusador dos cristãos... diante
de Deus! (Ap 12,7-10).
BEELZEBU.
Usam-se três termos: Beelzebu, Baalzebub, e Beelzebul.
Zaratustra ou Zoroastro, o fundador do
Parsismo, religião do Irã, viveu no século VI a.C., ou antes.
Zaratustra adverte sobre os cuidados que se devem ter após o corte de
unhas e cabelos, pois uma vez cortados e separados do corpo, já pertencem
ao Maligno, demônio mosca, e a outros devas ou espíritos maléficos,
pelo fato mesmo de serem moradas da sujeira.
No mesmo sentido, na mitologia cananéia, se
adorava a Baal-Zebub, o deus do estrume, das moscas... Ora, devemos destacar o significado etimológico de Baal = o príncipe. E assim Beelzebu foi convertido pelos judeus em "príncipe dos demônios" (Mt 12,24 e Lc 11,15). Surgiu um jogo de palavras: Jesus usou conjuntamente o aramaico be'el (= senhor) e o hebraico zebul (= casa). Beelzebul seria o "senhor da casa". Assim, quando Cristo foi acusado pelos judeus de expulsar demônios pelo poder de Beelzebu, disse então Jesus: "Se chamaram Beelzebu ao senhor da casa, quanto mais chamarão assim aos seus familiares" (Mt 10,25). E acrescentou: "Uma casa cai sobre outra (...). Quando um homem forte (...) guarda sua moradia (...); voltarei para minha casa, de onde saí" (Lc 11,17.21. 24).
Há outro jogo de palavras: Cristo teve
presente também que Baal-Zebud era considerado o deus das moscas e que
mora na sujeira: "Quando o espírito imundo sai do homem,
perambula em lugares áridos (...). Voltarei para minha casa (...),
chegando lá, encontra-a varrida e arrumada.
Diante disso, vai e toma
outros sete espíritos piores do que ele, os quais vêm habitar aí.
E com isso a condição final daquele torna-se pior do que antes" (Lc
11,24-26). Aquele jogo de palavras com referência ao senhor da casa, foi percebido por muitos teólogos que conhecem hebraico. Aliás há muitos textos tanto no Antigo como no Novo Testamento e na literatura apócrifa e rabínica, como também na cultura supersticiosa secular, que apresentam os demônios habitando desertos, lugares áridos, ruínas de casas abandonadas e lugares imundos como esgotos e cemitérios. É a mitologia pagã que grassou entre os judeus e passou também aos cristãos.
Mas geralmente escapou aos teólogos, entre
os que lamentavelmente há poucos familiarizados com ciência, com Parapsicologia, esse outro jogo de palavras a respeito do deus da sujeira,
da casa barrida. Como também lhes escapou outro detalhe muito importante,
que deveremos explanar em outra oportunidade ao demonstrar os perigos do
curandeirismo: Jesus sabia que quando Ele cura "endemoninhados",
a cura é imediata e perfeita, mas quando os curandeiros, "vossos
filhos", pretendem curar, sobrevêm "outros sete espíritos
piores..., com isso a condição final daquele homem torna-se pior do que
antes". Quando
o próprio Cristo se faz eco dessas crenças populares, emprestadas do
paganismo, evidentemente que não pretendia confirmar o mito.. Repitamos
mais uma vez, até a saciedade: Cristo e a Bíblia não vieram a ensinar
ciência senão Religião, usam a cultura da sua época como instrumento
de linguagem para a Revelação da Doutrina Sobrenatural. ETEMMU.
Demônios
e Espíritos Imundos, Espíritos Impuros etc. no Novo Testamento
identificam-se também com espíritos de mortos. Para os semitas mesopotâmicos,
Etemmu são os espíritos dos
mortos insepultos e privados dos sacrifícios prescritos. Pensavam que
ficam vagando pela Terra e podem causar inúmeras doenças e outras desgraças
aos homens.
Para as especulações rabínicas, a
identificação entre certos demônios com espíritos de mortos é, às
vezes, manifesta. No Talmud e em outros comentários, os demônios são
considerados entre outras coisas "seja como espíritos infortunados
que foram deixados sem corpo quando, de repente, começou o Sábado, após
o sexto dia da criação; seja como os construtores da Torre de Babel,
assim transformados a modo de castigo"
Este conceito espírita, ele também, não só
diversos deuses de segunda categoria ou daímones e anjos rebeldes, etc,
pode incluir-se na terminologia demonológica do Novo Testamento. Como
explica Flávio Josefo, historiador judeu que escrevia no século I,
expulsavam "os chamados demônios, com outras palavras, os espíritos
dos homens malvados que penetram nos vivos".
SEDUTORES
E FALSOS PROFETAS. São Paulo (1Tm 4,1) fala de "espíritos
sedutores e doutrinas demoníacas". Por todo o contexto escatológico,
fala em sentido moral, refere-se a homens
feitores da apostasia, falsos profetas, impostores.
Esses falsos profetas são concebidos pelo
Apocalipse como "espíritos impuros, como sapos", saindo
"da boca do Dragão, da boca da Besta e da boca do falso Profeta
(...). São com efeito, espíritos de demônios: fazem maravilhas e vão
até os reis de toda a Terra" (Ap 16,13-14). Esses espíritos
de demônios são na realidade homens
impostores. Metáfora.
São Justino frisa que "muitos
demônios poderão arrepender-se e salvar-se. Se o Verbo de Deus
Revelou (?!) que Satã e alguns outros anjos serão certamente castigadas
ao fogo eterno, é porque Deus previu que esses poucos de fato não se
arrependerão". Orígenes e numerosos outros Padres da Igreja também
dizem que muitos demônios haverão de converter-se.
No fundo estão dizendo, acertadamente, mais
do que pretendiam dizer, erradamente. Referindo-se a demonios, anjos rebeldes, nada disso encaixa no conceito tradicional de demônios. Mas
sendo esses demônios na realidade representação de pessoas, de falsos
profetas, estão acertadíssimos porque a misericórdia de Deus sempre
perdoa a quem se arrepende. E não é verdade que na Biblia se revele a condenação de Satã e seus anjos rebeldes. Na realidade, nada há de Revelação na Bíblia a respeito de guerra e queda de demônios, como temos visto nestes artigos. E veremos em outra oportunidade que não há absolutamente nenhum Dogma de Fé a respeito de demonologia. Nem pode haver, precisamente porque a demonologia não faz parte da Revelação. CONCLUSÃO AFINAL, O QUÊ SÃO OS DEMÔNIOS? ADERÊNCIA
EXTRÍNSECA
A
cultura demonológica bíblico-judaica-cristã é um mosaico de fontes e
conceitos diferentes e até contraditórios. Mostra grande variedade nos
conceitos como nas fontes que os inspiraram. Tudo o que a Bíblia, o judaísmo
e a historia do Cristianismo dizem a este respeito mostra invariavelmente
os traços de noções emprestadas de culturas estranhas à autêntica
Revelação.
Segundo otimamente escreve o prestigioso teólogo
e grande parapsicólogo jesuíta Pe. Karl Rahner, a demonologia é
"uma interpretação da experiência natural em torno
de diversos (...) poderes (considerados) sobrenaturais. Tal doutrina (...)
vai penetrando lentamente de fora da religião autenticamente revelada".
Não pertence à Revelação nem, portanto, à Teologia. Trata-se de fatos, observáveis, do nosso mundo. Pertence à Parapsicologia dar a última palavra a respeito "dessa experiência natural em torno de diversos poderes" ou fatos incomuns e por isso misteriosos. Teremos que dar especial destaque às chamadas possessões demoníacas, às tentações, aos exorcismos... O Papa realizou exorcismos? É exagero dos jornalistas que o Papa tenha aplicado os exorcismos. Simplesmente rezou, após retira-la da multidão ("onde não há platéia, não há show") por uma jovem que um padre antiquado qualificava como endemonhinhada. O mesmo fez com outra senhora. E ambas continuaram doentes... O número 666 significa o número do diabo?
Pe. Oscar G. Quevedo S.J. |
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