OS EVANGELHOS APÓCRIFOS


   O termo apócrifos provem do grego apokryfoi = ocultos, ou apócripha = coisas ocultas., isto é, não reconhecidos, poderíamos dizer que se equiparam às absurdas ciências ocultas. E como as chamadas Ciências Ocultas, Ocultismo, Esoterismo, etc também não resistem à luz da verdade. Os protestantes os chamam pseudo-epígrafos = falsamente titulados.

 Na realidade os Apóstolos, os Santos Padres, os Escritores Eclesiásticos..., isto é, a autoridade eclesiásticas sempre rejeitou os livros Apócrifos. Concretizando-nos aos Evangelhos, só foram aceitos sempre, desde o início, os 4 Evangelhos chamados Canônicos: São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. Há expressões muito curiosas neste sentido, nesta convicção, por exemplo São Irineu fala de "Evangelho Quadriforme", Eusébio fala de "Quadriga Sacra", etc. Estas e outras fórmulas consideram os 4 Evangelhos como as 4 faces da narração da vida de Jesus.

   Evangelhos apócrifos são evangelhos falsos. Há muitos Evangelhos e Epístolas etc. falsos. Levam o nome de grandes personalidades dos inícios do Cristianismo, só para ganhar prestígio perante o público não bem informado. Destacam entre os apócrifos além do Evangelho de Tomé, o Pastor de Hermas, o Evangelho de Pedro, o Apocalípse de Pedro, o Evangelho de Tiago, o Evangelho de Nicodemos (que inclui os Atos de Pilatos), os Atos de Paulo, um novo Apocalípse de João, vários Apocalípse da Virgem, uma Epístola de Tito etc.

   Existem noticias até de mais de cinqüenta Evangelhos Apócrifos. Mas só seis chegaram completos até nós. São composições elaboradas entre os séculos III a V, ou ainda muito mais tarde. Conservam-se também fragmentos de outros quatorze. Destes, os mais antigos alcançam a fins do século II, mas todos são posteriores aos quatro Evangelhos canônicos ou reconhecidos pela Igreja.

* Alguns dos autores de Evangelhos Apócrifos são até um prodígio de insensatez ou fanatismo. Que probabilidade de realidade poderia invocar-se a favor do "Evangelho de Eva" (?!); do "Evangelho Eterno", publicado por um frade, do século XIII, que o teria recebido por revelação! para substituir os quatro Evangelhos canônicos!; do "Evangelho de Nicodemos" (II), em hebraico, mas certamente escrito por um inglês anônimo da Idade Moderna, que afirma haver recolhido a tradição, conservada até então só verbalmente!, da pregação que Nicodemos haveria feito na Inglaterra! Na realidade é pouco mais do que uma cópia de um outro pretendido "Evangelho de Nicodemos" (I) que data do século II, mas que na realidade é pouco mais do que uma copia em grego de um livro romano sobre o mito da descida de Hércules ao Hades.

* Outros apócrifos são evidentemente pretensões fantasiosas de seitas heréticas, como o "Evangelho dos Ebionitas" (assim, reconhecido expressamente), "Evanhelho dos Valentinianos" (também reconhecido), "Evangelho de Judas de Keriot" ou "Evangelho dos CaÏnitas" (mais um cuja autoria é reconhecida expressamente pelas seitas heréticas), "Evangelho da Verdade" ou "Evangelho dos Valentinianos" (mais um...), etc.
* Outros são..., um pouco menos fantasiosos e não tão descarados: "Evangelho segundo os doze Apóstolos", de São Pedro, de Tiago o Menor originariamente em grego e latim, de Judas Tadeu, de Santo André, de São Bartolomeu, estos dois últimos condenados pelo concilio presidido pelo Papa São Gelásio I (+ 496), de São Paulo, etc.

* O apócrifo "Evangelho segundo Tomé" hoje é famoso graças à mídia inclusive cinematográfica. Muito freqüentemente os que pretendem denegrir a Igreja; e os que pretendem negar os milagres narrados nos 4 Evangelhos, e os espíritas, esotéricos, seitas... citam o Evangelho de Tomé e outros semelhantes.
       Em 1908 encontrou-se em Oxyrhyncus, Egito, um antiquíssimo papiro, do fim do século I, escrito em egípcio na língua demótica, usada pelos sacerdotes egípcios, língua que hoje só poucos especialistas sabem ler. Trata-se de 10 frases, oito das quais são frases de Jesus que aparecem no Evangelho de São Marcos. Causou muita discussão, com amplíssima bibliografia, porque logo de inicio parecia que estava inspirado nos ensinamentos do Apóstolo Santo Tomé. A tradição dos ensinamentos de Santo Tomé haver-se-ia concretizado e mais adiante se adornou no "Evangelho de Dídimo Judas Tomé", encontrado num papiro cóptico do século IV. Este evangelho apócrifo perdeu-se, só era conhecido por alusões, como livro usado pelos maniqueus, naasenos e outras seitas heréticas antigas. Por fim, em 1946 (e a mídia estourou!) este apócrifo foi descoberto em Nag Hammadi, Egipto, em amplo papiro, entre outros 45 livros dos gnósticos, contidos em 13 códices, a chamada "biblioteca gnóstica de Nag Hammadi". Entre eles estavam também outros Evangelhos Apócrifos: "Evangelho dos Gnósticos" (assim, expressamente reconhecido), "Evangelho das pequenas e grandes interrogações de Maria", "Evangelho segundo Matias" (que não obstante é assinado pelo seu compositor: Carpocratius), "Evangelho de São Filipe" (crivado de Gnosticismo e algo de Maniqueismo), "Evangelho da Vida" ou "de Deus vivo" (já mais maniqueu do que gnóstico). Sem dúvidas o local foi um destacado centro dos gnósticos. No apócrifo "Evangelho segundo Tomé" aparecem aquelas oito frases de Jesus, entre outras 114 a Ele atribuídas. Sem narração. Mesmo algumas frases sendo verdadeiramente de Jesus, outras muitas são plenamente absurdas, evidentemente o conjunto é invencionice daqueles gnósticos que pouco depois seriam declarados hereges.

* O apócrifo "Evangelho de Tiago o Maior" houve uma época que foi muito estimado pelos espanhóis, por sua originalidade e outras circunstâncias interessantíssimas e... até por sua profundidade. Afirmava-se que recolhia a pregação na Espanha de Santiago, o Maior, irmão de São João Evangelista, os "Filhos do Trovão" como os chamara Jesus. Certamente, hoje não há dúvidas, foi quem evangelizou Espanha. Santiago foi martirizado em Jerusalém. No século VIII, quando Palestina caiu em poder dos muçulmanos, um grupo de espanhóis trouxe o esquife onde repousavam os restos de Santiago à cidade espanhola hoje chamada Santiago de Compostela ("Campus Stellae", o campo da estrela, pela luz que mais adiante mostrou o lugar onde estava enterrado o corpo do Apóstolo). É simplesmente magnífica a Basílica dedicada a São Tiago. É famoso "o caminho de Santiago", é deslumbrante a história do Pilar (em Zaragoza) que Nossa Senhora, ainda em vida, deixou milagrosamente a Santiago para que não desanimasse pela dureza dos espanhóis em aceitar a fé cristã, pouco depois perto da capela da "Virgen del Pilar" os "inumeráveis santos mártires de Zaragoza" testemunharam sua fé cristã até morrerem decapitados pelos romanos, etc., etc.
Compreende-se que sobre esses antecedentes tivesse enorme êxito o "Evangelho de Tiago o Maior" quando foi achado em 1595, no cume de uma montanha perto de Granada. Nada menos que 18 livros em folhas de chumbo, incluindo, além da história evangélica, a liturgia de uma Missa dos Apóstolos! Quase um século depois, em 1682, o Papa Inocêncio XI teve que condenar esse apócrifo.

* E ainda: Evangelho segundo os Hebreus, segundo os Nazarenos, dos Ceríntios, dos Egípcios, dos Sírios, dos Eucratistas ou dos Continentes, dois Evangelhos de Apeles, outro de Basíledes, de Marcion, Simonicus atribuído aos discípulos de Simão de Giton, de Taciano, de Lucius, de Luciano, de Seleuco, de Hesychius, etc.

* Outros Evangelhos Apócrifos até contêm dados seguramente verdadeiros transmitidos pelos Apóstolos e comuns entre os primeiros cristãos dos séculos II a IV (quando se escreveram estes apócrifos). Dado que aos Evangelhos Canônicos pouco mais interessa do que só a vida pública de Jesus, os Apócrifos, diríamos na sua devoção..., querem suprir o que não se publicou da vida oculta, dos 12 aos 30 anos, como também a Assunção de Nossa Senhora (transmitida pela Tradição desde a época dos Apóstolos, proclamada depois dogma de fé) e a Sua perpétua virgindade (também Tradição e dogma de fé). E devemos citar ainda, a respeito de Nossa Senhora, a Apresentação no Templo à idade de três anos (a Apresentação, transmitida pela Tradição, é aceita e celebrada na liturgia a 21 de Novembro), os nomes dos pais: Joaquim e Ana (também aceitos e celebrados como santos na Liturgia a 26 de Julho, precisamente ao dia seguinte da festa de São Tiago). E talvez sejam lendas, mas é aceito universalmente até hoje, que junto à Sagrada Familia na gruta de Belém havia um boi e um burro; e que os nomes dos Magos de Oriente eram Belchior, Gaspar e Baltasar; que os nomes dos dois ladrões junto à Cruz eram Dimas ("canonizado" pelo povo desde os primeiros séculos) e Gesta; que o nome do soldado romano que atravessou o costado de Jesus era Longinos (palavra que vem do grego logchos = lança; também "canonizado" pelo povo desde tempo antiquíssimo); a história da Verônica que enxugou o rosto de Jesus (Verônica, vera icon = verdadeira imagem; desde tempo imemorial conserva-se em Oviedo, na Espanha, um lenço com a imagem do rosto de Jesus), etc. e que os Magos de Oriente eram reis (?!, certamente não).

* Lamentavelmente junto às verdades e possíveis verdades há, mesmo nos melhores Evangelhos Apócrifos, invencionices mais ou menos piedosas e mais ou menos fantasiosas. Assim três Evangelhos do Nascimento da Virgem Maria, outro do Nascimento de Jesus, da Infância de Jesus até os doze anos, originariamente em árabe e grego, outro por São João sobre a Morte da Virgem Maria, etc.

* Apesar de que alguns Evangelhos Apócrifos contenham verdades, todos os críticos estão de acordo em sublinhar a dura crítica feita por Ernesto Renan (1823-1892, ateu, influenciado por Strauss nega os milagres simplesmente "porque o milagre é impossível", mas fora isso muito bom crítico histórico). Na sua introdução à "Vida de Jesus" escrevia: "Hão de advertir que não me servi absolutamente dos evangelhos apócrifos. Estas composições não devem de modo algum ser postas no mesmo pé que os Evangelhos Canônicos". E mais energicamente no seu "L`Église Chrétienne": "Seria fazer injuria à literatura cristã pôr estas composições chatas no mesmo pé com as obras-primas de Marcos, Lucas e Mateus (...) Os evangelhos apócrifos (...): impossível conceber algo de mais miserável e mesquinho. É uma parolagem cansativa de velhas comadres (...) O Jesus verdadeiro (...), Esse os excede e assombra".

   Os Evangelhos Apócrifos (e os outros Apócrifos) contêm certas coisas boas tiradas da tradição, ou dos próprios Evangelhos autênticos. Mas o conjunto dos Apócrifos e cada um deles são de uma mediocridade desoladora. Deixam-se levar pelo gosto popular sobre o maravilhoso, exagerado, lendas, pretendem contar a vida particular, privada, de Jesus Cristo antes dos 30 anos. São clarissimamente invenções, às vezes até absolutamente ridículas. E quando não são ridículas, se vê claramente o intento de uma apologética desvairada, querem impor a Ressurreição de Cristo com argumentos não verdadeiros, etc.

* A Igreja não proíbe a sua publicação, com tal de que conste que são apócrifos. Contra o que a Igreja alerta é contra tanto intento de enganar apoiando-se em determinadas passagens desses falsos Evangelhos. Perante tal abundância de Evangelhos Apócrifos, além de perante tantas heresias, seitas, cismas, e além ainda da livre interpretação proclamada por Lutero, Calvino, etc., evidentemente e por mais este motivo não só se justifica a vigilância rigorosa da Igreja sobre a reta doutrina, senão que também se impõe a absoluta necessidade do primado papal e da infalibilidade para que as pessoas de boa vontade não se afastem da verdade. Esta é a conclusão que se impõe. Como exigia São Paulo, "se alguém, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu, vos anunciar um Evangelho diferente do que vos anunciamos, seja anátema" (Gl 1,8). Tal é a conclusão que se impõe, se é que Jesus quer que a Sua Igreja e Sua Doutrina permaneçam para sempre. Só assim realmente Ele estará conosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mt 28,20).

Por tantos Evangelhos Apócrifos, muito entusiasticamente alertava, por exemplo, Santo Agostinho: "Eu não acreditaria no Evangelho se a isso não me movesse a autoridade da Igreja Católica". E São Cirilo de Jerusalém: "Aprende cuidadosamente, aprende-o da Igreja, quais são os verdadeiros livros do Novo Testamento, quais os do Antigo. Medita com fervor só esses, manuseia os que com inteira confiança lemos na Igreja". E poderíamos repetir idêntico ensino com palavras do Papa São Clemente, de São Policarpo, de São Irineu, de São Justino, etc. já nos três primeiros séculos do Cristianismo.

* A primeira lista oficial dos Quatro Evangelhos canônicos consta no "Cânon de Muratori", elenco dos escritos do Novo Testamento da Igreja de Roma. Remonta ao século II, recolhendo toda a tradição dos EE. EE. (= Escritores Eclesiásticos) e dos SS. PP. (= Santos Padres; ambos são títulos oficiais de prestígio) desde a época dos Apóstolos.

* No ano 393 as dúvidas cessaram quando o Concílio regional de Hipona, no norte de África, estabeleceu o cânon das Sagradas Escrituras, tanto do Velho como do Novo Testamento, como é hoje na Igreja Católica. O mesmo cânon foi repetido pelos Concílios regionais de Cartago III (397), Cartago IV (419), Trulos (692), e pelos Concílios Universais ou Ecumênicos de Florença (1442), Trento (1546) e Vaticano I (1870).

* É precisamente apoiando-se nessa antiquíssima e unânime tradição da Igreja Católica, que o Concílio de Trento, depois de enumerar todos os livros "canônicos" do Antigo e do Novo Testamento contidos na chamada "vulgata", definiu: "Se alguém não aceitar por sagrados e canônicos esses mesmos livros, inteiros, com todas as suas partes, como foi costume considera-los na Igreja, seja anátema". A mesma definição dogmática foi repetida pelo Vaticano I.

 



Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

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