POSSESSÃO DEMONÍACA NA BÍBLIA |
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O
QUE SE DEVE ENTENDER POR POSSESSÃO DEMONÍACA? De fato, o motivo principal de considerar o demônio como a força que realiza "possessões" em certas pessoas, são as descrições bíblicas. Foi a Bílblia a causa do erro da "possessão demoníaca", principalmente na Europa ( a história da Igreja tem sido muito européia) e da Europa, o erro se estendeu a todo o mundo. Mas, repetimos, temos que ter presente, nós, cientistas do século XX, , que a Bíblia não é um livro de ciência. Simplesmente, não há por que invocar a Bíblia na interpretação de fatos observáveis do nosso mundo que, como tais, pertencem à ciência. Chama muito a atenção, que em todo o Antigo Testamento, sendo tão comprido e relacionado com tantos séculos, não há nenhum caso de "possessão demoníaca" ( ao menos claro; existe o caso de Sara, que alguns interpretam, não claramente, como de "possessão demoníaca"). E no Novo Testamento, por ser tão curto, correspondendo a tão poucos anos, existem descrições de "possessões demoníacas". Além dos casos concretos citados, como o endemoninhado de Gerasa, o endemoninhado lunático, o endemoninhado mudo, o endemoninhado epiléptico, etc; há frases de ordem geral como: "deu poder aos seus discípulos de expulsar os demônios", e todos os que tinham possessos levavam lá para que Cristo os curasse", etc. No Antigo Testamento não há nenhum. No Novo Testamento são inúmeros. Por que essa diferença? Alguns teólogos, sem fundamento, manifestamente para salvar a situação, explicam: "É que na época em que Cristo veio combatê-los, Deus concedeu mais liberdade aos demônios..." de onde se tira essa afirmação?...é pura invencão. Sabemos pela história o porque desta diferença. Foi precisamente nesta época em que a Cabala Judáica fortaleceu muito o influxo das idéias demoníacas dos povos mesopotâmicos, vizinhos de israel, porque a Cabala trouxe dos gregos e romanos o erro de atribuir ao daimos, daemonium, demônio, certos tipos de doenças. Os gregos e romanos atribuiam certas doenças e fenômenos aos demônios, aos demíurgos, isto é, às forças semi-divinizadas da natureza (na Palestina falava-se também a Koiné, o grego comum, e era uma colônia romana). Por influxo da Cabala, os judeus começaram a chamar endemoninhadas às pessoas que apresentavam aquelas doenças ou fenômenos. Confundiram então e até hoje, os demônios dos gregos, romanos e dos países vizinhos com os anjos rebeldes da Bíblia. ( Para não entrar em discussão de menor interesse, estou dando por suposto que os judeus identificavam o demônio com os anjos rebeldes, como fazemos hoje, os cristãos.) Na realidade, não fica nada claro que os demônios dos judeus fossem precisamente os anjos rebeldes. É mais provável, que na mentalidade popular judáica e inclusive na mentalidade dos rabinos da época, os demônios correspondiam ao conceito greco-romano e mesopotâmico. Considerava a cultura (ou incultura) da época, que havia no ar uma série de entidades, demiurgos, semideuses, bons ou maus. Esses seriam os demônios para os judeus e não precisamente os anjos rebeldes.) Cristo, os apóstolos e a Bíblia empregaram a terminologia da época. Lógico. Que outra terminologia empregariam?? Nem Cristo, nem a Bíblia e nem os apóstolos deveriam se meter e nem se meteram em ciência. Não correspondia nem à Cristo, nem aos apóstolos, nem à Bíblia explicar e analisar os fatos do nosso mundo, o que corresponde à ciência. No Antigo Testamento Uma palavra com referência à pouco provável descrição de "possessão demoníaca" no Antigo Testamento. No livro de Tobias se descreve que Sara ("possuída pelo demônio"?) teria sido a causa da morte de nove maridos. E o anjo, que acompanhou Tobias, curou a sua mãe, Sara. De possessão demoníaca? Todo o livro de Tobias é metafórico. Não se trata de um episódio histórico. No máximo, teria uma mínima base histórica, como inspiração para o escritor bíblicofazer uma ampla e linda metáfora poética. Nesse livro, é narrada a morte dos maridos, ou a doença de Sara, dramatizadas como devidas ao demônio (não precisamente "possessão", ou não claramente), da mesma maneira que todos os fenômenos bons se dramatizam também como devidos à força divina, ou dos anjos. O anjo teria expulsado a Asmodeu e o teria confinado no deserto do alto Egito onde o teria deixado acorrentado para sempre. Acorrentado até o fim do mundo pelo Arcanjo Rafael. Mas como dizíamos, não se trata de um livro histórico. É um livro de valor moral. Foi escrito depois de um exílio do povo judeu. Durante o exílio, entraram os judeus em contato com civilizações pagãs, que atribuiam aos demiurgos, deuses ou demônios deles, muitos dos fenômenos da natureza, doenças, etc. Influenciado por esta civilização, o povo judeu começou a ter medo de demônios, ou espécie de deuses menores, separando-se um pouco da confiante dependência da Providência do único Deus. Por isso veioo livro de Tobias, para frisar enfaticamente que por cima de todos os demônios e ídolos pagãos, estava o poder de Deus. O livro de Tobias, citando as intervenções demoníacas, não as afirma; citando os ídolos, não confirma seu poder. E, diríamos, um livro de "Utilidade Pública", para alentar aos judeus assustados com as teorias e práticas demonológicas, mágicas e idolásticas que tinham obsevado nos povos pagãos circunvizinhos. Não se trata, repetimos, de um livro histórico, mas de um livro moral e metafórico. No Novo Testamento Assim como Jesus esclareceu os discípulos sobre a causa da cegueira do cego de nascença, (os discípulos perguntaram ao Mestre, se o cego ou os pais dele haviam pecado) dissipando o erro segundo o qual toda doença era consequência pessoal ou da família do enfermo (Jo 9, 1-3), ele também não esclareceria se os endemoninhados fossem doentes psíquicos? Cristo não ensinava ciência, ensinava religião.. No caso do cego de nascença, tratava-se de uma doença. Cristo não entrou no campo científico determinando se tal cegueira tinha como causa a atrofia, uma lesão, um corte ou escasso desenvolvimento do nervo óptico ou a ausência do líquido umoral no cristalino, desprendimento ou aus~encia da retina, lesão na circunvolução cerebral correspondente à visão, ou qualquer outra causa ou força observável ou deduzível, deste ou do outro mundo. Cristo não diagnosticou nem a doença nem sua causa. Mas havia, isto sim, um erro doutrinal próprio da época. "As doenças e as suas causas seriam enviadas por Deus como castigo dos pecados. Mesmo sendo causa natural, a Divina Providência se serviria dessa força natural para castigar". Cristo corrige esse erro doutrinal. Não é um castigo e também não é uma providência especial. A mesma distinção deve ser feita com relação à "possessão demoníaca". Nós nem sequer entramos em discussão se poderia tratar-se de uma Providência especial de Deus (ou até do demônio). O que afirmamos é que a causa, a força que ocasionou as chamadas possessões, são forças naturais, doenças, desequilíbrios, faculdades parapsicológicas. A força não é demoníaca, e portanto não é o demônio que atua. A interpretação dos fenômenos que se dão no nosso mundo, a localização das forças que atuam neles é objeto da ciência. Cristo não entrava neste campo. Não correspondia a Cristo diagnosticar a causa daqueles fenômenos. Nisso usava, tinha que usar, a ciência (ou a ignorância) do seu tempo.
Animismo.
Chama-se assim a crença
na maioria dos povos primitivos, de que todo o mundo material estava
habitado e controlado
por daímones (potestades, deuses subalternos, gênios, etc - são inumeráveis
nomes). É fácil analisar esta mentalidade, porque se conserva intacta em vários povos da África e da Austrália. No Brasil é a mentalidade mais difundida: os orixás e os exus habitam e conduzem os ventos, habitam e fazem as correntes e as cascatas, habitam e fazem crescer as árvores... E as doenças são "encostos" desses espíritos...
O
"Vudu" viajou do Daomé, seu país de origem, com os escravos
africanos no século XVII, tendo êxito principalmente no Haiti. No Brasil
é conhecido pelo nome de Candomblé. O raio é Heouvé; a varíola,
Sagpata... Os iniciados passam a conhecer os nomes dos exús-doenças, e
120 palavras mágicas secretas. O "egungin", ritual da morte, é proibido na maioria dos candomblés brasileiros por desconhecimento dos nomes secretos, que só o Candomblé Gegê conservaria. Não obstante, com os nomes primitivos ou com outros inventados aqui, é realizado abertamente na Bahia, na Paraíba, no Maranhão..., quase por toda parte. Entre os assírios, babilônicos e caldeus. Data do ano 2.500 a.C. uma tabuleta assíria com os seguintes dizeres: "Doenças do cérebro, dos dentes, do coração, dores de cabeça, doenças dos olhos; febre, veneno; espíritos do mal, demônios do mal, espectros do mal, diabo do mal, deus do mal, amigos do mal; bruxo, demônio, vampiro, espírito ladrão; fantasma da noite, aparição noturna, escrava dos espectros; pestilência maligna, febre perniciosa, doenças funestas, angústia; feitiçaria ou qualquer mal, dor de cabeça, tremores; fascinação maligna, bruxaria, feitiçaria, encantamento e todo mal: sai da casa, vai para fora, não entra no homem. Filho deste deus, parte daqui". Uma outra tabuleta contém um exorcismo muito parecido. E há outra tabuleta, a de Babilônia, que pretendia também expulsar toda classe de espíritos ou divindades da natureza, demônios, provocadores de toda classe de doenças. Entre os babilônios, o deus Namtar, príncipe das trevas, se comprazia em atormentar os míseros mortais: era representado agarrando um homem pelos cabelos, e com a espada desembainhada para feri-lo com todo tipo de doenças e dores. Etemmu era o nome dado aos espíritos dos mortos que não receberam os sacrifícios rituais prescritos; vagavam pela terra assombrando casas e "encostando" ou "incorporando" nas pessoas que assim caíam em transe e eram atormentadas de mil maneiras. Lamastu era o deus da febre puerperal e das doenças de crianças. Lilitu, deusa que causava os pesadelos noturnos, entrou na mitologia judaica antiga modificada em Lilit. Desta divindade ou demônio feminino, na Bíblia diz metaforicamente Isaías que descansa nas ruínas do Edom (Is 34,4). Era a deusa ou demônio da tormenta para os acádios, identificada com a antiga Mililla (= "senhora tormenta"). Terá grande destaque na demonologia pós-bíblica tanto entre os judeus como entre os cristãos. Goethe aludirá a ela no seu Fausto. Pazuzu é o deus principal das chamadas "possessões demoníacas". Representavam-no com corpo mais ou menos humano, rosto de bode, pés em forma de garras de ave de rapina e poderosas asas. Pazuzu é o demônio que escolheu W. P. Blatty para causar a possessão no seu filme e livro " O Exorcista" .
Cada
doença, um demônio localizado. Mesmo moléstias tão comuns como a
enxaqueca ou torcicolo. Quando alguém sofre das têmporas e os músculos
de seu pescoço estão doloridos, está lá a ação de um demônio. Assim
o demônio Alal agia sobre o peito. O
rei assírio que depois de morto foi divinizado, o demônio Adad,
agia sobre o pescoço. Enquanto que Gigin atormentava nos
intestinos, Idpa na cabeça, reservando-se a fronte para
Utug. As dores nas costas eram provocadas por Ishtar.
Etc. A medicina greco-romana. A demonologia da antiga Mesopotâmia, descrita na literatura sumérica, penetrou através dos caldeus na cultura helenística. Na mais antiga literatura dos gregos, na Ilíada e na Odisséia, atribuídas a Homero (Heródoto diz que viveu pelo ano 850 a.C.), a loucura e qualquer comportamento estranho eram conseqüência da interferência destes deuses, irritados, na mente do homem. Homero teve grande influência nos filósofos, nos eruditos, nos escritores e até na educação em todo o mundo helenístico. Hipócrates (460-367 a.C.), pai da Medicina, e seus seguidores lutaram por erradicar a tradição espírita ou demonológica na explicação das doenças. Era a ciência que sustentava, já então, que todas as doenças se devem a causas naturais. Abertamente negaram a influência de deuses, espíritos ou demônios inclusive na epilepsia, considerada por excelência "a doença sagrada"!
O
prestigiado e influente filósofo Platão (347-327 a.C.) pouco depois com
razão matiza o errado exclusivismo de Hipócrates, exclusivamente materialista.
Platão defende acertadamente uma terapia psicossomática. Corpo e alma Mas Platão volta em grande parte à mentalidade mágica, ao erro de que certos tipos de conduta estranha eram efeito da intervenção de daímones. Por exemplo o transe dos adivinhos seria causado pelo deus ou daímon Apolo, os poetas estariam inspirados pelas daímones Musas, e a paixão dos enamorados era incutida pelos daímones Eros e Afrodite. Compreende-se que o povo estendesse estas explicações de delírios, fúria, transe, inspiração, paixão, a todos os tipos de loucura e que com estes exemplos se estendesse também a explicação a todo tipo de doenças internas e por isso mesmo "misteriosas".
Até
o próprio Galeno, o médico mais destacado da antigüidade greco-romana,
no século II d. C., ficara desconcertado e considerava
obra de algum deus ou daímon os procedimentos psicológicos,
que ele não conhecia, para enlouquecer uma pessoa ou fazê-la emudecer
perante um tribunal (hoje falaríamos em
lavagem cerebral). Como é sabido, os romanos adotaram a mentalidade grega, simplesmente trocando os nomes dos deuses ou daímones. Embora houvesse médicos, como a família de médicos chamados Asclepíades e os seguidores de Areteu de Capadócia, o povo e muitos médicos romanos, talvez a maioria, continuaram com a mentalidade mágica e demonológica. Ao daímon da Febre se dedicou um templo próprio em Roma. Chegaram ao extremo da mentalidade mágica, supersticiosa: Galeno, médico grego (nascido em Pérgamo, Ásia Menor) conhecido em todo o império romano do século II (130-200 d.C.), foi acusado de praticar a magia (bruxaria), pois só assim se compreenderia a precisão com que predizia o curso de uma doença interna: teria de ser porque conhecia os demônios que as causavam! Nada no Antigo Testamento. No Antigo Testamento não há nenhum caso de possessão demoníaca. Eram claras e severas as admoestações contra a magia. De maneira nenhuma poder-se-iam aceitar na Bíblia vetero-testamentária possessões, encostos e expulsões. Depois, a interpretação demonológica foi entrando aos poucos. Esta mentalidade mágica chegou mesmo a grassar entre os judeus do período inter-testamentário e nos judeus e cristãos do primeiro século após Cristo. A "possessão demoníaca" no NT. Nos Evangelhos fala-se de possessões ou expulsões demoníacas 16 vezes e 3 nos Atos dos Apóstolos. Não considero como diferentes as diversas narrações de um mesmo fato. Considero, porém, diferentes as frases gerais, mesmo que sejam bastante parecidas. Tais como "ao entardecer, trouxeram-lhe muitos endemoninhados, e ele com uma palavra, expulsou os espíritos" (Mt 8,16). Ou, perante Filipe "de muitos, efetivamente, saíam os espíritos impuros dando grandes gritos" (At 8,6s). Assim até onze frases (Mt 10,18; Mc 1,34.39; 3,15; 6,7.13; 9,17; Lc 9,1; At 19,12). Oito são casos concretos: a legião de demônios que foram aos porcos (Mt 8,28-34p), o demônio mudo expulso pelo poder de Beelzebul (Mt 9,32-34p), o menino que os discípulos não conseguiram curar no monte Tabor (Mt 17,14-20p), o homem violentamente agitado que na sinagoga reconheceu a Jesus como Messias (Mc 1,21-28p), a filha da siro-fenícia (Mc 7,24-30), os sete demônios expulsos de Maria Madalena (Mc 16,9p), e a jovem pitonisa que aclamava Paulo e Silas como servos do Deus Altíssimo (At 16,16-19). Consideremos inclusive aquele demônio que haveria sido expulso da casa e que chama outros sete espíritos piores (Lc 11,24-26). Ora, o que são essas possessões? Principalmente nos dois séculos a.C. e no século I d.C., a medicina dos judeus era a de Mesopotâmia. Recebida diretamente dos povos mesopotâmicos e indiretamente através da cultura greco-romana.
É
problema cultural. Trata-se de fatos. Não de doutrina sobrenatural,
inobservável, revelada. Portanto, como problema cultural, não doutrinal;
como fatos, não como doutrina, devem ser estudados os
"endemoninhados" no Novo Testamento. Trata-se evidentemente de
interpretação de fatos. Pertence à ciência.
E o conjunto dos ramos da ciência que estuda os fatos incomuns, e por
isso misteriosos, chama-se Parapsicologia. Isso sim: interessa à Teologia
por estar consignado na Bíblia. Mas pertence à Parapsicologia. Os teólogos
aqui têm obrigação de consultar a Parapsicologia. A magia nunca se desprestigiou perante as multidões e sempre houve paralelamente aos médicos o recurso às fórmulas imprecatórias... Eram conceitos da magia, misturando-se com receitas, remédios e pequenas cirurgias. Não foi fácil que a medicina dos gregos, após Hipócrates, triunfasse nas áreas mais civilizadas. Nas áreas cultas da Babilônia, mesmo quando se praticava lá a mais estrita medicina hipocrática, havia também encantamentos, exorcismos e evocações. Havia, sem dúvida, numerosos médicos na Palestina dos tempos de Cristo, como inclusive se testemunha nos Evangelhos (Mc 5,26; Lc 8,43), e o confirmam a Mishna e o Talmude. Mas inumeráveis textos provam que, junto à Medicina, a crença em influências ocultas de demônios estava talvez tão difundida no meio judaico como no grego e oriental. A religião judaica convivia em sincretismos, destacando, porém, a idéia de que por cima de todas essas influências em que o povo acreditava, Deus pairava como Senhor Supremo. Diferença fundamental: Não Satã, senão os demônios. Quando se diz que Satã entrou em Judas (Lc 22,3; Jo 13,27) ou em Ananias (At 5,3) se faz referência ao pecado voluntário. E os demônios não implicam nenhum aspecto moral. Em contrapartida, nunca aparecem "possessões" realizadas por Satanás. As "possessões" são realizadas pelos demônios ("espíritos impuros", "espíritos da doença", e outros muitos nomes equivalentes).
O texto de São Paulo, uma exceção? Paulo usaria modo diferente de se expressar? Escreve: "Foi-me dado um aguilhão na carne, um anjo de Satanás, para me espancar". São Paulo diria de si mesmo que alguma doença nele foi causada por Satanás?
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Não. Certamente não. Contra a opinião ilícita de muitíssimos teólogos
durante séculos:
Uns
poucos teólogos católicos e protestantes, entre os poucos
louvavelmente conhecedores de que a parapsicologia não admite a
possessão demoníaca, pretenderam ver designado na expressão "um
anjo de Satanás" não o próprio Satã, mas um demônio de alguma
maneira enviado por Satã. --- Disquisição sem fundamento. A explicação real científica é até evidente: 1.- Em primeiro lugar, cabe perguntar se Paulo se refere de fato a uma doença e não melhor a alguma tentação moral. Se Cristo foi tentado, nada tem de estranho que também Paulo sentisse a tentação. Neste caso o texto paulino entraria plenamente na regra geral: as tentações são atribuídas a Satanás, e certas doenças aos demônios. 2.- E confirma-se. Vejam-se (sublinho) muitas palavras nesse mesmo texto de São Paulo, que fazem referência ao plano moral (próprio de Satanás), não ao de doença especial (próprio dos daímones): "Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de soberba foi-me dado um aguilhão na carne, um anjo de Satanás, para me espancar, a fim de que eu não me encha de soberba. A esse respeito três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Respondeu-me, porém: Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder" (2Cor 12,7-9).
3.-
E ainda cabe perguntar se Paulo não se estaria referindo a dificuldades
procedentes de seus irmãos na carne, os judeus... 4.- Todas as doenças são atribuídas a Satanás, no sentido, já estudado nos artigos sob o título "Afinal, que são os demônios?", de que Satanás é a personificação do mal: a inimizade, a dor, a tentação, o pecado, a doença.... Tal é o significado da frase de Paulo, citando os profetas Habacuc (Hab 2,3-4) e Isaías (Is 26,20): "O meu justo viverá pela fé, mas se esmorecer, nele não encontro mais nenhuma satisfação" (Hb 10,38). Não é agradável a Deus, é pecado, é Satã. 5.- O mesmo se pode deduzir, e aplicar-se a todas as doenças, da frase com que Cristo se refere à encurvada "que Satanás prendeu há dezoito anos" (Lc 13,16). 6.- Pedro resumiu toda a atividade de Cristo com aquelas palavras: "Passou fazendo o bem e curando a todos aqueles que haviam caído no poder do Diabo" (At 10,38). Estão sob Satanás, sob o mal. Os povos primitivos, como também os judeus na época de Cristo, donde passou ao Cristianismo "popular", acreditavam no erro de que demônios perversos atormentavam a humanidade. Todas as doenças internas (loucura, depressão, etc.) eram atribuídas aos demônios
Que
pecado? Que daímon? Os sacerdotes dos povos circunvizinhos a
Israel precisavam determinar o deus (daímon, demônio) que causa cada
doença. E cada demônio era atraído por cada tipo de pecado. Por isso,
começavam por um interrogatório para descobrir qual o pecado que o
doente cometeu. Uma vez descoberto, devia-se expulsar tal daímon ou deus
inferior determinado. Para a mentalidade mágica, de então (e de hoje!!!), as doenças proviriam do pecado. Por efeito dessa mentalidade ambiente os primeiros cristãos identificaram absurdamente a suposta ação de Satã e a suposta ação dos demônios. Pecado e doença. E terminaram por identificar Satanás e demônio. E pior ainda, identificaram os daímones ou deuses inferiores com os anjos rebeldes. Mas essa interpretação que se fez comum, de considerar certos doentes possuídos por anjos rebeldes, não tem nenhuma base. Nas expressões evangélicas, a respeito de endemoninhados, a idéia de anjos rebeldes pode perfeitamente e deve ser excluída (como já vimos nos artigos: "Afinal, o quê são os demônios?). Doenças
internas. Chamavam
"endemoninhados" os que estavam doentes por causas não-aparentes,
internas, e como tais inobserváveis e portanto misteriosas para os
conhecimentos médicos da época.
Falo
de doenças internas, não só psicológicas. A distinção que estabeleço
não é entre doenças físicas e
doenças psíquicas, ou entre
orgânicas e
funcionais, mas entre doenças com "motivo" perceptível
e doenças por uma "causa" não-perceptível. A
epilepsia e a loucura, por exemplo, podem ter causas orgânicas,
cerebrais, mas tais lesões ou deficiências são internas, imperceptíveis.
Certas paralisias, pelo contrário, podem ser psicógenas, histéricas nos
seus começos, mas chegaram a provocar atrofia muscular claramente perceptível.
Nestes casos, a paralisia, apesar de psicógena, não se atribuiria aos
demônios. E a psicose e epilepsia, apesar de orgânicas, seriam
consideradas como possessões.
Possessão
igual a doença interna. É inegável. Era essa
a crença corrente e a nomenclatura de Cristo e dos evangelistas.
Um
exemplo famoso, entre muitos. Apolônio de Tyana (4d.C.-97) era
contemporâneo de Jesus. Estava um dia instruindo o povo, quando de
repente é interrompido com os risos de um jovem, tão fortes e broncos,
que eclipsavam a voz de Apolônio. O célebre
pregador, encarando o jovem, disse: "Não és tu quem perpetra
este insulto, senão o daímon que
te conduz sem que tu o percebas". O historiador Filóstrato apresenta
os motivos porque o jovem era considerado possesso: "E de fato o
jovem estava, sem sabê-lo, preso por daímones,
porque ria de coisas de que ninguém ria e logo se punha a chorar sem
nenhuma razão e falava e cantava sem objetivo..."
Isto
é, a loucura, a histeria, a conduta incompreensível poderiam ser atribuídas
"ao jeito desrespeitoso da juventude que o induzia a tais
excessos"; ou a "que estava incorrendo na alegria de um bêbado".
Afirma-o expressamente Filóstrato. Mas era considerado possesso: "Na
realidade era porta-voz de um daímon".
Como
possesso foi tratado o jovem: "Quando Apolônio o fitou, o fantasma
que havia nele o levou a lançar gritos de medo e de raiva, como os
que emitem as pessoas que estão sendo maceradas ou despedaçadas. O daímon
jurou que abandonaria o jovem e nunca mais voltaria a fazer possessão
de nenhum homem. Apolônio por sua parte, enérgico, dirigiu-se a ele
(...) e ordenou ao demônio que
abandonasse o jovem".
Se
observável não é o demônio. Quando a causa é perceptível,
visível, talvez até palpável, nunca nos Evangelhos o doente é
considerado endemoninhado.
Perante
a lepra ou outras infeções da pele, os Evangelhos falam simplesmente de
leprosos (Mt 8,1-4par; Lc 17,11-19).
Fala-se
simplesmente de cegos (Mt 9,27-31; 20,29-34; Mc 8,22-26; 10,46-53par; Jo
9,1-41): os olhos estão vazios, ou as pálpebras estão grudadas, aparece
a íris sem coloração, percebe-se a infeção
-tão freqüente naquela época como sabemos pelas inscrições dos
templos de cura como o de Epidauro-, etc.
Não
se chama endemoninhados aos paralíticos:
tinham visivelmente deformados ou atrofiados os músculos, mesmo que só
fosse por estarem sempre prostrados e terem de ser transportados em macas
(Mc 2,1-12; Mt 9,1-8par; Jo 5,1-16).
Não
é endemoninhado o homem que todos vêem com a mão "seca" (Mt
12,9-14par), possivelmente atrofiada, sem carne e disforme. Usa-se o mesmo
termo que se aplica à árvore
seca (Mc 11,20s; Mt 21,19s) e cortada (Jo 15,6) e sem raízes (Mt 13,6).
Não
é endemoninhado o hidrópico (Lc 14,1-6), que todos vêem inchado - pela
excessiva acumulação de líquido nos tecidos do corpo.
Sabia-se
de "certa mulher, que sofria de um fluxo de sangue havia doze
anos" (Mt 9,20par). A sua cura por Jesus não é considerada expulsão
de demônios.
As
doenças que apresentavam "causas" perceptíveis já estavam
liberadas da interpretação demoníaca. Nenhuma alusão à atividade de
agentes sobrenaturais nas doenças da sogra de Pedro (Mc 1,29-31), o servo
do centurião (Lc 11,1-10) e o filho do oficial real (Jo 4,46.54), a filha
de Jairo (Lc 8,40-42, 49-56), a filha de sírio-fenícia (Mc 7,24-30), o
surdo-gago (Mc 7,32-37), Malco a quem Jesus devolveu a orelha que Pedro
cortara (Lc 22,50s), etc.
Nem
são expulsões de demônios as revitalizações de mortos (Mt
8,18s,23-26par; Lc 7,11-17; Jo 11,1-44; 20,1-10) e a Ressurreição. A
doença ou acidente prévio, ou a Crucificação, eram manifestos e aí
estavam a rigidez e palidez como "causas" visíveis da morte.
Também observável e "causa" de doenças é a febre (Mt 8,14s
par; Jo 4,43-54). Não é o demônio.
Em
contraposição aos tempos antigos, nos quais o daímon
da morte, o deus Zánatos, era figura muito popular, no Novo Testamento
com dificuldade e só uma vez a morte poderia ser ligada a um daímon.
Diz São Paulo que Cristo veio, "a fim de destruir pela morte o
dominador da morte, isto é, o Diabo" (Hb 2,14). É possível
relacionar a frase de Paulo com a idéia da morte ser
uma possessão por Zánatos?
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1.- Mas na realidade Diabo,
como já vimos, nada tem a ver com demônio.
Diabo é igual que Satã, a personificação do mal, da própria morte.
2.-
E seria só esta única vez. Porque a frase de Cristo "Vós sois do
Diabo, vosso pai, e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida
desde o princípio" (Jo 8,44), não se refere à morte
individual, mas à morte de todos os homens, castigo do pecado
original. E como sempre: Satã = personificação do pecado.
3.- Tanto Cristo como Paulo visam diretamente à "morte"
no espírito: o pecado e as falsas doutrinas. Sempre na
ordem moral. Por isso Jesus acrescenta que o Diabo "não permaneceu
na verdade, porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que
lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. Mas, porque digo a
verdade..." (Jo 8,14).
Um
caso duvidoso? Não. Todos os casos concretos de "possessão"
narrados pelos Evangelhos são doenças internas. A causa é cerebral ou
psíquica, não há marcas ou deficiências externas que expliquem, para
os antigos, a conduta anormal.
A
acusação de expulsar demônios pelo poder de Beelzebul surgiu após a
cura de um mudo (Mt 12,22ss,par). Se uma pessoa tem a língua como a de
todos os demais, por que não fala? Como poderiam os antigos diagnosticar
uma lesão cerebral ou um trauma psicológico? Se não falava era porque
tinha dentro um daímon mudo...
Mateus
(12,22) acrescenta que o "endemoninhado" era também cego. Se o
qualificativo "endemoninhado" se referia também à cegueira e não
à mudez, o doente teria os olhos perfeitos em aparência. Os Evangelhos
nada dizem. Os contemporâneos entendiam. Nós temos de entendê-lo assim.
Com bastantes pormenores apresentam os evangelhos dois casos: o
"endemoninhado" de Gergesa e o do Monte Tabor.
O
endemoninhado de Gergesa
Doença
interna. O
que agora mais nos interessa é frisar que o "possesso" era um
louco. Doença interna: "Perguntou-lhe Jesus: 'Qual é o teu nome?'
Respondeu-lhe: 'Legião é o meu nome, porque somos muitos'" (Mc
5,9).
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A legião romana constava de 5.200 soldados! Tantos demônios pululando no
corpo de uma pessoa? Duro de aceitar... Até poderíamos humoristicamente
perguntar: quantos demônios ficariam para o resto do mundo?
Mas
a resposta do louco é plenamente encaixável na típica e freqüentíssima
megalomania compensadora. Para não sofrer complexo de inferioridade,
muitos loucos declaram ser a reencarnação de Maria Antonieta, Napoleão,
Júlio César... Ou estar possuídos pelo próprio Lúcifer. Ou nada menos
que por uma legião de demônios. Ninguém mais do que eles! A família
sofre, mas eles são "felizes", ao modo deles. Ou os loucos têm
de ser tomados a sério; ou os "possessos" (e
"reencarnados" etc.) têm de ser considerados doentes mentais.
Provavelmente,
a concretização de sua megalomania em considerar-se possuído nada menos
que por uma legião de demônios lhe foi incutida pela opinião popular:
quanto pior fosse uma doença, tanto mais daímones
eram causadores dela. Um louco particularmente selvagem e furioso tinha de
ter uma legião de demônios!
Aliás,
os gergesenos se maravilharam até o ponto em que "o pânico se
apoderou deles" na intuição do poder milagroso de Jesus, capaz de,
num instante, fazer que um louco passasse a poder estar -na expressão idêntica
de Marcos e Lucas- "sentado, vestido e no seu juízo" (Mc 5,15;
Lc 8,35). Ora, estar no seu juízo é
a contraposição a estar louco. Expressamente.
Que
"causas" externas se percebem num louco? A causa é psíquica,
funcional, hormonal ou cerebral. Em todo caso, meramente interna
(não se via a olho nu, a anomalia ou doença, logo era um demônio).
Por isso se atribuía a loucura aos demônios. Idêntica denominação para o louco da sinagoga de Cafarnaum (Mc 1,21-28 e Lc 4,31-37).
Neste
sentido deve-se entender a passagem com referência a João Batista.
Nenhum sinal físico externo. Mas procedia de maneira estranha, excêntrica,
incrível: vivia no deserto, vestia uma pele de camelo, pregava novidades
e ameaças (Mt 3,1-12par), não bebia vinho, e jejuava... Foi considerado
um louco. Aludindo à opinião de outros, dizia dele Jesus Cristo:
"João veio: ele não bebia e não comia, e disseram: ele está possesso
de um demônio" (Mt 11,18par). O próprio Cristo fez afirmações que pareceram mirabolantes aos judeus. Consideravam-nas próprias de um louco, e disseram: "Agora vemos que és possuído por um demônio. Abraão morreu, e também os profetas. E tu dizes que se alguém guardar a tua palavra, jamais provará a morte..." (Jo 8,52). Em outra oportunidade perguntou Jesus: "Por que procurais tirar-me a vida?" Como não entenderam, em vez de comentar que aquilo era uma loucura. respondeu o povo: "Tens um demônio! Quem procura tirar-te a vida?" (Jo 7,20).
O
demônio convertido em Apóstolo? Não devo me deter aqui -já o fiz
em outras oportunidades- a expor e demonstrar a existência da HIP,
Hiperestesia Indireta do Pensamento, adivinhação do pensamento das
pessoas que estão presentes, o mais freqüente dos fenômenos parapsicológicos.
Quando
Jesus, com seus
discípulos, foi à terra dos gergesenos , veio-Lhe ao encontro
o "endemoninhado" -ou dois- que saíra dos esconderijos
sepulcrais. E o "endemoninhado" gritava: "Que temos a ver
contigo, Filho de Deus?"
(Mt 8,29); prostrou-se ante Cristo e gritou: "Jesus, Filho
de Deus Altíssimo, conjuro-te por Deus, não me atormentes" (Mc
5,7). "Sei que es Tu, o Santo
de Deus" (Lc 8,28).
Igualmente
um jovem interrompia e berrava na sinagoga de Cafarnaum. Quando Jesus
enfrentou os "demônios", eles gritaram: "Jesus Nazareno,
vieste para arruinar-nos? Sei quem Tu és: o Santo de Deus" (Mc 1,24 e
Lc 4,34).
Só
a interpretação por HIP -ou menos ainda, uma vez estendida a
fama- encaixa em frases que recolhem outros casos iguais: "Não
consentia que os demônios falassem, pois eles
O conheciam" (Mc 1,34). "De um grande número também saiam
demônios gritando: Tu és o Filho
de Deus. Em tom ameaçador, porém, Ele os proibia de falar, pois sabiam
que era o Messias" (Lc 4,40s).
Nos
"Atos dos Apóstolos" o demônio apareceria envolvendo-se em negócios!
E dedicar-se-ia insistentemente ao Apostolado! Se levarmos em conta o HIP
naquela doente em estado alterado de consciência, o texto se compreende
perfeitamente: "Um dia em que íamos para a oração, veio ao nosso
encontro uma jovem escrava que tinha um espírito
de adivinhação (no original: "espírito
de Pitão"; a adivinhação era atribuída por aqueles pagãos ao daímon
ou deus
Pitão), ela obtinha para seus amos muito lucro, por meio de oráculos.
Começou a seguir-nos, a Paulo e a nós, clamando: `Estes homens são servos
do Deus Altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação´.
Fê-lo durante
vários dias. Por fim Paulo, aborrecido, voltou-se e disse ao espírito:
`Eu te ordeno em nome de Jesus Cristo: sai desta mulher´. E o espírito
saiu no mesmo instante. Mas os amos, vendo escaparem-se-lhes as esperanças
de ganho, agarraram Paulo e Silas, arrastando-os à ágora, diante dos
magistrados" (At 16,16-19).
Catharinet
-excelente teólogo, mas plenamente desconhecedor de parapsicologia, e que
por tanto tem muita autoridade na interpretação da doutrina
sobrenatural, mas que nenhuma autoridade tem na interpretação de fatos
"misteriosos"- pergunta: "Como poderiam aqueles neuróticos
reconhecer e proclamar o Messias?". Daí, erradissimamente, deduz que
é o Diabo (e ainda confundindo Diabo com daímones ou demônios!) que
fala pelos "possessos".
---
Na realidade e em primeiro lugar não corresponde ao conceito secular de
Satã, Diabo, demônios... e toda essa sarta de confusões e invencionices
seculares, que o próprio Diabo jure ou conjure pelo nome de Deus. Na
realidade também não tem cabimento que os demônios (ou o Diabo...!) se
convertam em apóstolos! O menos que se pode esperar é que não dêem
testemunho da divindade de Cristo! Tudo fica plenamente compreensível,
porém, como manifestação de HIP naqueles doentes: simplesmente captaram
o pensamento de Jesus.
Muitos
teólogos protestantes liberais e católicos "moderninhos",
influenciados pela erradíssima e secular campanha racionalista, preferem
diminuir a figura de Cristo e exaltar a do demônio!! Dizem que Jesus no
começo de sua vida pública ainda não sabia que era o Cristo e Filho de
Deus!! Inclusive Lhe teria sempre acompanhado a dúvida!! Esses teólogos,
porém, aceitam a testemunho do "pai da mentira" a respeito de
divindade de Jesus!! Saberia o demônio, desde o inicio, mais do que
Cristo? E não nos estamos referindo a conhecimentos de ciência, de
fatos, observáveis, do nosso mundo. Referimo-nos ao conhecimento da
doutrina sobrenatural, da doutrina medular, e da própria identidade e
missão de Jesus. Esses teólogos não descobriram nem sequer esse detalhe
da teologia, no seu afã de exaltar os demônios? --- Freqüentemente excelentes teólogos fazem até o ridículo quando se metem em parapsicologia... Evidentemente só é conforme com a realidade a interpretação inversa: Não foi o demônio quem revelou a messianidade e divindade de Jesus. Era Jesus quem o sabia, e prudentemente o foi revelando pouco a pouco. Os doentes simplesmente por HIP(Fenômeno parapsicológico) captaram o pensamento fundamental do próprio Jesus-Cristo. Dois
mil porcos em estouro. Os
Evangelhos contam
a expulsão de uma "legião de demônios" que se teriam apossado
deste doente de Gergesa: "A certa distância deles
havia uma manada de porcos que estava pastando. Os demônios lhe
imploravam dizendo: 'Se nos expulsas, manda-nos para a manada de porcos'.
Jesus lhes disse: 'Ide'. Eles, saindo, foram para os porcos, e logo toda a
manada se precipitou no lago pelo despenhadeiro" (Mt 8,30-32).
Segundo precisa outro evangelista, a vara seria de cerca de dois mil
porcos (Mc 5,13).
Antes
de Mais nada:
Onde
foi? O
caso deve ser localizado, como estamos fazendo desde o começo, em Gergesa,
na região dos gergesenos, não em Gadara como se pensou; e muito menos em
Gerasa como diziam muitas traduções. Gergesa está -isso sim- na região
maior ou "país" dos gadarenos. Evidentemente
houve confusão na escolha dos textos originais: devem ser, ao contrário
do que publica a maior parte dos críticos textuais, "região dos
gergesenos", no texto de Mateus; e "região dos gadarenos"
(em vez de "região dos gerasenos", Gerasa, que não tem
cabimento) nos textos de Marcos e Lucas. Aos gadarenos pertencia a
cidadezinha de Gergesa. Gerasa
está a 50Km ao sudeste do mar de Genesaré. Longe demais para que os
porcos pudessem ter-se precipitado e afogado no lago. Também está longe
demais Gadara. A 12 quilômetros, e além do mais, separada por um
profundo vale onde corre um rio turbulento, o Hieromax dos antigos. Não
poderiam os porcos correr tantos quilômetros, atravessar o rio, subir a
outra encosta e precipitar-se no mar. Mas
o episódio foi, estamos afirmando com plena certeza, em Gergesa.
Exatamente como precisa o Evangelho: "do outro lado do mar" (Mc
5,1 e Mt 8,28), "do lado contrário da Galiléia" (Lc 8,26),
precisamente em frente de Magdala. Na boca do wadi es-samak existem hoje
as ruínas da antiga Gergesa (Ghersa, Kersa ou hoje chamada Kursi). Muito
perto de lá, ao sul, aconteceu o episódio dos porcos. Em Moka-Edlo. Há
aí uma pendente muito pronunciada e de 44m de altura. Uma projeção
deste promontório fica a 30m do lago. Encontrou-se o cemitério onde vivia o "endemoniado" de Gergesa. Está na cripta da igreja bizantina daquela cidade, hoje Kursi Foi
histórico? FOI.
Alguns
teólogos preferem considerar lenda, metáfora, não histórico, se não
todo o conjunto do "endemoninhado" gergeseno, ao menos o episódio
dos porcos. O
ataque à historicidade parece nitidamente uma fuga da dificuldade de
explicação dos fatos. Se, lamentavelmente, não sabem nem o mínimo de
parapsicologia, mantenham-se no seu campo de teólogos... Estou
com o excelente teólogo Taylor quando escreve à luz dos fatos,
parapsicologia: "A dificuldade maior está no relato dos porcos. Mas
a grande quantidade de detalhes ingênuos, a imagem do homem que despedaça
seus grilhões e se corta com pedras, o diálogo, a expulsão, a
descrição do homem sentado, vestido e no seu são juízo, a
atitude dos espectadores, o tipo de mensagem que o homem proclama na Decápole
são detalhes tomados da vida mesma. Possuímos boas razões para
classificar a narração como originada em Pedro (testemunha presencial,
em quem se fundamenta o Evangelho de Marcos, o mais completo para este
episódio; Mt e Lc se apoiam em Mc). De que formas devemos interpretar o
que se conta, é outra questão". Igualmente
parecem fugir da historicidade por não saberem explicar, os que insistem só
na metáfora: "Os gentios preferem os porcos ao seu
Salvador". "Os porcos representam o império romano", etc. ---Estes
e outros sentidos metafóricos também
há, é o que interessa aos teólogos, mas a teologia não pode ficar
no ar, deve apoiar-se na realidade histórica, científica! Em todo caso,
se o fato não tivesse sido histórico, não pode ser invocado por ninguém
em favor da ação demoníaca!, que é o tema que aqui estamos estudando. "E
ele o permitiu" (Lc
8,32). Por quê? Esta dificuldade não pode incriminar o valor histórico
do fato. Nem incrimina a sua explicação científica. O fato é
independente da intenção dos protagonistas. Certamente
não tem sentido afirmar que os demônios, decididamente maus, quiseram
causar dano aos porcos, a seus donos e ainda revoltar a população contra
Jesus quando lhe pediram que os deixasse ir aos porcos. Também
não se pode afirmar que os demônios teriam sido tão ingênuos a ponto
de serem enganados por Jesus, e que Jesus pretendeu enganá-los ao
conceder-lhes a permissão, pois sabia que haveriam de perecer. ---
Puras disquisições de teólogos, plenamente vazios de técnicas científicas
no estudo dos fenômenos misteriosos, de parapsicologia. E
não são muito menores disquisições as dos que afirmam que Jesus
permitiu a morte dos porcos, para anunciar ao doente e às testemunhas que
a cura estava realizada. Poderia tê-lo permitido para ensinar, no plano
religioso, que o pecado pode acabar em catástrofe. Jesus poderia tê-lo
permitido para facilitar e firmar a cura, por transferência sugestiva, na
psicologia do doente: O trauma da sua antiga doença ficará
definitivamente sanado pela lembrança da morte dos porcos. E muitas
outras disquisições, mais ou menos ridículas... 2.000
porcos em estouro.
"Os demônios então saíram do homem, entraram nos porcos, e a
manada se arrojou pelo precipício, dentro do lago, e se afogou"
(Lc 8,33). Como
explicar o fato? Por que os porcos se precipitaram no mar? A mais inadmissível
das explicações é a admitida por Cortés na sua tese doutoral em
Teologia: "Foi a vontade de Jesus a que
produziu o estouro dos porcos". --
Não: Cristo não causaria diretamente esse prejuízo, nem para manifestar
sua glória. O fim não justifica os meios. Permitir
é uma coisa, causar é outra. O que agora interessa. Não tem cabimento a explicação demonológica: 1.-
Em primeiro lugar, não encaixa no conceito de demônios que estes
precisem de uma casa. É que se molham quando chove? É que passam frio no
inverno? Quando temem serem expulsos do doente, por que solicitariam ir
aos porcos? "Os demônios lhe imploravam dizendo: 'Se nos expulsas,
manda-nos para a manada de porcos'" (Mt 8,31). Mas
enquadra-se perfeitamente à mentalidade primitiva, que concebia -e ainda
concebe- as potestades,
fadas, deuses, daímones ou demônios... dotados de corpo, mais ou menos tênue,
e até com instintos carnais, machos e fêmeas.
Hoje se propaga que os exús e orixás querem farofa, e pinga, fumam
charuto, etc. Era lógico que o doente, acreditando que falava em nome dos
daímones reclamasse justiça comutativa: Se nos tiras nossa casa, dá-nos
outra. Vendo a vara de porcos, é lógico que lhe ocorresse pedir
precisamente a "casa" que tinha diante dos olhos. 2.-
Se fossem os demônios que queriam uma "casa", cuidariam dos
porcos. Não jogariam os porcos ao mar. Ao contrario, cuidariam dos
porcos! Como eles iam querer perder a "casa" que acabavam de
solicitar? E seria contraditório dizer que os quase
"onipotentes" demônios -como, os pintam- não conseguiram
dominar o pânico da vara. 3.-
Não caberia invocar o feitiço. Não se pode
considerar os porcos como animais domésticos. 2.000 porcos não podem ser
considerados muito ligados ao homem, que captem seu estado de espírito,
que obedeçam até o suicídio! Não concordo do ponto de vista científico,
com os ocultistas, espíritas, e auto-se-dizentes parapsicólogos que
deram esta explicação. Embora evidentemente esta explicação seria, em
último termo, preferível ou menos contra-indicada que a demonológica. A
explicação é outra. em lógica. Evidente. Tem vários aspectos: 1.-
É típico que, no momento da crise da cura, o doente apresente uma última
e mais violenta demonstração. Gritos, gestos, convulsões
assustadoras... Os Evangelhos não contam os detalhes da cura do
"possesso". É possível que houvesse uma crise paroxística. 2.-
É possível que inclusive houvesse um início de pânico nos apóstolos,
nos cuidadores dos porcos, em outras pessoas presentes. Já a própria
presença do famoso e perigoso energúmeno -um ou dois- logicamente
deixava tensos e apreensivos todos os espectadores. Pouca coisa bastaria
para provocar uma reação desproporcionada.
3.-
Por outro lado, todo mundo sabe que o pânico em certos animais que vivem
em manadas, se espraia por contágio num instante. O estouro da boiada, a
revoada do pombal, a fuga de todo o cardume, etc. Se um ou dois porcos
entraram em pânico, toda a vara, em crescente contágio, estourou em pânico.
Vários
padres parapsicólogos se têm inclinado à explicação pelo pânico nos
porcos causado pelos gestos e gritos do "possesso" e dos
espectadores. Pensaram unicamente no entusiasmo e manifestação de
alegria pela cura. Eu, dando importância ao "show" e pânico
precisamente no paroxismo da crise, aceito com gosto também
o entusiasmo pela cura, seguindo nisto a Goodspeed, Hunter, Mackinnon,
Miklem, Taylor, Van der Loos etc.
Mas,
precisamente como parapsicólogo, aceno a um outro fator muito mais
importante neste caso, e freqüentemente comprovado na parapsicologia. O
início do estouro da vara de porcos foi o influxo telérgico, que
causaria uma reação exagerada em algum porco, precisamente por tê-lo
sentido em meio ao pânico e ao conseqüente alvoroço das pessoas lá
presentes.
Dirão
alguns: A telergia (transformação e exteriorização das energias
corporais, responsável por todos os fenômenos parapsicológicos de
efeitos físicos) não influi
sobre animais grandes (nem sobre pessoas). É repelida. Nas casas
"mal-assombradas", as pedras não batem sobre animais grandes.
(Se batem no homem -muito raro- é sobre o mesmo homem que causa a
"assombração"). Quer auto-destruir-se.
Os animais não pretendem diretamente
se auto-destruir. Se as pedras batem em
outro homem ou em animais grandes, é só por ricochete. (Ou é truque:
alguém fraudulentamente está jogando essas pedras...)
Os
espíritas dizem que as casas são "mal-assombradas" por
espíritos vingativos. Teria havido lá um crime e o espírito da vítima
vem vingar-se. Vendo, porém, que as pedras não batem, os espíritas
dizem então que se trata de espíritos brincalhões. Pelo mesmo fato
tantas vezes constatado, os russos têm uma palavra (prokashik)
que significa brincalhão para
designar o demônio "assombrador". Igual em alemão: poltergeist.
---
Em que ficamos? São vingativos
ou são brincalhões? É
contraditório. É evidente que nada tem a ver com espíritos nem com demônios.
Mas
insisto. Parte da explicação está na telergia. A telergia pode, por inércia,
quando não se consegue repeli-la plenamente, causar um pequeno toque.
Diversas projeções da telergia podem causar ventos frios.
Insistentemente. Toques e ventos frios misteriosos... Em um ou dois
porcos. E surgiu o pânico. Crise,
reação, efeitos telérgicos... difunde-se o pânico progressivamente
crescente... Os porcos caem pelo íngreme pendente. Mais pânico.
Empurrados pelos que vêm detrás, caem no lago. E se afogaram. Todos ou
uma parte. Os porcos são excelentes nadadores. Mas caindo no precipício,
os que não se mataram ficaram feridos. Assim muitos deles puderam de fato
terminar morrendo afogados. E pronto. Nada de demônios. Casos
análogos.
O caso dos porcos em Gergesa não é um caso isolado. É muito sabido em
parapsicologia que os animais entram em pânico perante a telergia que
eles vêem (invisível ao homem mas não a alguns animais) quando causa fenômenos para-físicos. O cavalo se empina e sai
a todo galope. O cachorro pula até de um oitavo andar. O pânico de
animais -inclusive não muito ligados ao homem- perante efeitos telérgicos
e ectoplasmáticos tem-se constatado inúmeras vezes em parapsicologia. Em
todos os ambientes. Pode
ser que o olho humano não chegue a ver nada do que assuste ao animal. Por
exemplo, uma das jovens acusadas de bruxaria no famoso processo de Salem,
foi Sarah Good. Foi acusada de ter "enfeitiçado" até a morte
27 ovelhas e porcos de Benjamin Abbot. Martha Carrier também foi convicta
e executada. Etc., etc.
Outro
"endemoninhado" de que se trazem dados bastante definidos para o
diagnóstico é o menino que os discípulos não conseguiram curar (Mc
9,14-29par). Evidentemente,
trata-se de um epiléptico. Seleciono alguns sintomas da doença que
correspondem exatamente à descrição evangélica.
Na
fase tônica do "grande mal":
1)
Ha perda de conhecimento e o paciente desmorona.
Escrevem os evangelistas: "Quando ele o toma, atira-o pelo chão"
(Mc 9,18), "o demônio o jogou por terra" (Lc 9,42),
"caindo por terra" (Mc 9,20).
2)
Pode ferir-se, ao cair. Escrevem os evangelistas: "Deixando-o
dilacerado" (Lc 9,39), "muitas vezes cai no fogo e outras muitas
na água" (Mt 17,15), "muitas vezes o atira ao fogo e água para
fazê-lo morrer" (Mc 9,22).
3)
O ar, contraindo-se o peito e a barriga às vezes ao mesmo tempo, é
expulso com força, e quase sem espaço de saída é expelido
violentamente provocando o peculiar "grito do epiléptico".
Escrevem os evangelistas: "Subitamente grita" (Lc 9,39).
"Gritando...saiu. E o menino ficou como se estivesse morto" (Mc
9,26).
Na
fase crônica, convulsiva ou espasmódica:
1)
Dão-se contrações musculares intermitentes e violentas -quando também
podem repetir-se os gritos do epiléptico, e pode também assim ficar
"dilacerado". Escrevem os evangelistas: "Sacode-o com violência",
"agitou-o com violência" (Lc 9,39-42), "o espírito...
agitou com violência... rolava", "agitando-o violentamente
saiu" (Mc 9,20 e 26).
2)
Como efeito do violento abrir e fechar da boca,
misturam-se o ar e a saliva, originando a típica "baba do
epiléptico" -nestas contrações pode morder e até cortar a língua.
Está escrito: "E ele espuma, range os dentes e fica
ressequido", "rolava espumando" (Mc 9,18 e 20).
Na
fase pós-convulsiva, de coma ou confusa, o paciente fica num sono anormal
e profundo. A natureza se recupera da terrível tensão anterior. E que os
daímones também precisam descanso?
Do
menino curado por Cristo os Evangelhos constatam: "O menino ficou
como se estivesse morto, de modo que muitos diziam que ele tinha
morrido" (Mc 9,26).
Parece
lícito identificar o desmaio na fase tônica e o coma na fase pós-convulsiva
com a mudez e surdez que também se atribuem a este epiléptico do Monte
Tabor: "Meu filho que tem um espírito mudo", "espírito
mudo e surdo" (Mc 9,17-25).
O
psiquiatra e excelente parapsicólogo Dr. Jean Lhermitte admirou-se da
capacidade de observação dos Evangelhos: "É difícil ser mais explícito
e mais exato na descrição do mal epiléptico criptogenético (isto é,
"por causa interna" na expressão que estou usando). Não
falta nenhum caráter essencial da enfermidade".
É
significativo que o evangelista Mateus transmita o diagnóstico exato e
expresso que o pai sabia da doença do menino: "Senhor, tem compaixão
de meu filho, porque é lunático"
(Mt 17,15). Existia
naquele tempo a crendice de que os epilépticos eram influenciados pelas
fases e a luz da deusa ou daímon Lua, erro que inclusive compartirá
Galeno, o grande médico do século II. Lunático, nome "técnico"
de então para designar o que hoje chamamos epilepsia. Expressamente.
Regra
sem exceções. Com "causas" externas nenhum doente
era considerado endemoninhado.
Não
constitui exceção a "mulher possuída há dezoito anos por um espírito
que a tornava enferma; estava inteiramente recurvada e não podia de modo
algum levantar a cabeça... Esta filha de Abraão, que Satanás prendeu há
dezoito anos" (Lc 13,11-16).
---
Fosse seu corpo perfeito poderia ser considerada endemoninhada: o
manter-se curvada poderia equiparar-se a um distúrbio de conduta, e
portanto ser considerada como possuída por um daímon.
Mas dificilmente se poderá admitir que não houvesse no corpo da
mulher mais sinal externo que o próprio estar curvada. Sem dúvida havia
alguma "causa" externa. Qual? Estaria ela deformada?
Corcunda? Teria um manifesto desvio da coluna (escoliose)?
Raquitismo? Nesse caso de nenhum jeito poderia ser considerada
endemoninhada...
E de fato nada obriga no texto a aceitar que então interpretavam
este caso como de possessão demoníaca. Tudo o contrário. "Um espírito
que a tornava enferma", ou como outras versões preferem "um espírito
de doença" (v. 11) é eqüivalente a doença
simplesmente. É eqüivalente à expressão que pouco depois (v.12) se
emprega quando Jesus diz: "Estás livre de tua doença",
doença, agora sem ser precedida pela palavra espírito.
Em
outros muitos textos do Novo Testamento emprega-se a expressão "espírito
de..." para designar exclusivamente o modo de proceder que vem após
a palavra espírito. É o genitivo de qualidade, expressão também usada
nas línguas vernáculas, mas especialmente freqüente entre os hebreus:
"Espírito de escravos" (Rm 8,15), "espírito de filhos
adotivos" (ibidem), "espírito do medo", "espírito de
força, de amor e de sobriedade" (2Tm 1,7), "espírito da graça"
(Hb 10,29), "espírito de Deus...; espírito do Anti-Cristo"
(1Jo 4,1-3), "espírito de sabedoria e de revelação" (Ef 1,17)
etc. Portanto, "espírito de doença" de nenhum modo é sinônimo
de demônio; é sinônimo de doença.
Cristo
ter dito que Satanás a tinha presa só
confirma o que antes dizíamos: as doenças eram consideradas como estando
sob o domínio de Satã, simplesmente personificação do mal, mas não no
sentido de possessão.
O
gago. E também não constitui exceção o caso do surdo-mudo a quem
Jesus curou com saliva e um "Ephphata" = abre-te. Todos os mudos
e surdos são apresentados como possessos. É doença sem
"causa" externa. Como é que a este
surdo-mudo não o consideraram endemoninhado?
É
Marcos quem narra a cura (Mc 731-37). Diz que era "mogilalon"
(em neutro). A palavra grega pode significar perfeitamente, e no sentido
primário e etimológico, gago (mogis
= com dificuldade, laleo = falar).
Em vez de mogilalon, poderia
haver sido originário o neutro moggilalon
= que fala com voz rouca (ou mogolalon
= ...com esforço; ou migalon =...
confusamente; ou megalon
= ...com voz forte).
Contra
a tradução da Vulgata e demais traduções antiquadas ("surdo-mudo"),
aquele homem falava, embora gaguejando,
ou rouco, ou com
dificuldade... O termo gago é
o empregado nas traduções modernas. A Bíblia de Jerusalém em vez de surdo-mudo
traduz "um surdo que
gaguejava" (Mc 7,32). Tem valor a expressão do evangelista: após
a cura, aquele homem "falava
corretamente" (Mc 7,35). Não diz que conseguiu
falar, mas que conseguiu falar
corretamente. Antes dissera que "se
soltou a
trava de sua língua", ou (na tradução da Bíblia de Jerusalém)
"a língua se lhe
desprendeu", o que alude à dificuldade
anterior melhor que à mudez. Não sendo mudo, não era surdo de nascença, pois aprendeu a falar. Portanto, teria ficado surdo e gago em conseqüência de alguma doença ou acidente. Tendo sido acidente, até possivelmente ficassem cicatrizes. Por acidente ou por uma doença externa, se compreende que não o chamassem endemoninhado.
HISTORICIDADE DOS FATOS A vida e obras de Jesus é o fato histórico melhor constatado da história antiga da humanidade. Em outra oportunidade apresento os numerosos argumentos em favor da historicidade, até aos mínimos detalhes, dos Evangelhos. Argumentos numerosos, fortíssimos, absolutamente irrefutáveis... E plenamente científicos. Também provo em outra oportunidade que corresponde à ciência estudar todos os fatos, como fatos do nosso mundo, relacionados ou não com religião. À religião, à Bíblia, à Igreja corresponde unicamente a doutrina sobrenatural, inobservável, revelada. Na doutrina sobrenatural a ciência não pode afirmar nem negar. A inversa também é verdadeira: a Bíblia, a Igreja, não tem autoridade em fatos. Fé e ciência. Mutuo interesse no homem, mas sem misturar! Os fatos realmente aconteceram... Concretamente são históricas, como fatos, as chamadas "expulsões de demônios" realizadas por Jesus.
1.-
Não se acusaria a Jesus de fazê-lo pelo poder de Beelzebul (Mc
3,22-30p), se os adversários estivessem só perante um ou poucos casos.
Sob o peso de repetidos e quase contínuos fenômenos dessa espécie,
refletiam sem encontrar escapatórias: O poder de Jesus é superior aos
poderes dos curandeiros. Daí o recurso ao "príncipe dos demônios".
A "magia" de Jesus não poderia provir de uma potestade ou demônio
subalterno. No desespero, acentuaram a injúria ao máximo. E tal injúria
a Cristo não poderia ser interpolação dos primeiros cristãos, como
afirmam preconceitosamente os negadores da historicidade dos Evangelhos.
2.-
Por outro lado, o curandeiro estranho não usaria o nome de Jesus se Jesus
não houvesse adquirido fama, por freqüentes expulsões de
"demônios", de ser o melhor entre "os vossos filhos"
que os expulsam também (Mt 12,27). E os primeiros cristãos não podiam
haver inventado e interpolado este episódio que não favorece os apóstolos,
pois em contraste com Jesus, parecem intolerantes: "Mestre, vimos
alguém que não nos segue, expulsando demônios em teu nome, e o
impedimos... Jesus, porém, disse: 'Não o impeçais...'" (Mc 9,38p).
3.-
Também não são poupados os discípulos quando fracassam na tentativa de
curar o "endemoninhado" no Monte Tabor perante grande multidão
e os escribas discutindo com eles (Mc 9,14-29). Os apóstolos se queixavam
a Jesus por aquela humilhação pública. Tais passagens não pode haver
sido acrescentadas pelos cristãos. Nem os apóstolos se lançariam a
expulsar "demônios" se não o tivessem feito outras vezes e se
Jesus não o fizesse freqüentemente. 4.- Jesus discutiu várias vezes -talvez muitas- com os escribas e fariseus sobre o trabalho que se podia fazer no Sábado, dia religioso de descanso. Para os judeus essa polêmica supõe muitos milagres realizados também aos sábados. Também estas passagens não podem ser atribuídas a invenção e interpolação posterior, em outro ambiente. Pois bem, a polêmica teve início precisamente pelo "trabalho" (como diriam os feiticeiros hoje) de expulsar o "demônio" que na sinagoga de Cafarnaum proclamava que Jesus era o "santo de Deus" (Mc 1,21-28).
5.-
Descrevendo o dia das contas, Jesus disse: "Muitos me dirão naquele
dia: 'Senhor, Senhor, não foi... em teu nome que expulsamos demônios...?'
Então, sem rodeios, Eu lhes direi: 'Nunca vos conheci. Apartai-vos de
mim, vós que praticais a iniqüidade'" (Mt 7,22s). Em outra
oportunidade Cristo aconselhava aos apóstolos: "Não vos alegreis
porque os espíritos se vos submetem; alegrai-vos, antes, porque vossos
nomes estão inscritos nos céus" (Lc 10,20). E, mais uma vez, estes
e outros textos semelhantes não podem ser originários dos primeiros
cristãos. "Popularizam" o poder de expulsar "demônios"
ou "espíritos imundos", em que a Igreja das origens se apoiava
nas discussões com os pagãos. Não é exclusivo de Jesus. Nem Cristo
falaria assim se não tivessem outras pessoas esse poder de curar certos
"endemoninhados".
6.-
Quando Jesus enviou os 72 discípulos dois a dois a pregar o Evangelho,
"deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos" (Mc 6,7).
"Quando voltaram com alegria dizendo: 'Senhor, até os demônios se
nos submetem em teu nome'", Jesus os felicita com aquelas palavras:
"Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago! Eis que vos dei o
poder de pisar... todo o poder do Inimigo" (Lc 10,17-19). São fenômenos
constatados em muitas partes. O poder de curar até os piores casos, os
"endemoninhados", implicava que os discípulos estavam inundados
pelo Espírito Santo, transmitido por Cristo, pois "é pelo Espírito
de Deus que eu expulso os demônios" (Lc 11,20). E tal poder dos discípulos
não pode ser invenção da Igreja primitiva, pois então se acreditava
que só após o dia de Pentecostes o Espírito se comunicou. Numa palavra: os Evangelhos estão inundados de expulsões de "demônios". Suprimir esses fatos seria suprimir quase tudo nos Evangelhos. Ora, os "endemoninhados" formam um núcleo certamente radicado nas próprias testemunhas e proclamado para as testemunhas. Esta dupla constatação dá rigoroso valor histórico aos Evangelhos em geral.
A
verdade histórica das expulsões de "demônios" -e outros
milagres- realizados por Jesus e por seus discípulos não podia ser
negada pelos seus próprios adversários. Por isso se refugiavam na acusação
de magia. Além das fontes cristãs canônicas, temos confirmação nos
Evangelhos apócrifos, cheios de lendas, mas que pressupõem a realidade
dos milagres de Jesus. Temos ainda a
confirmação pelo Talmude dos judeus da Babilônia, e pelo
historiador judeu Flávio Josefo. Etc.
OS EVANGELHOS CONTRA O MITO DE POSSESSÃO DEMONÍACA "Daimonia".
A
intenção desmitificante dos evangelistas parece evidente. Os Evangelhos
distinguem entre daimonion e
daímon. Aparecem os 'endemoninhados" como sendo pessoas que têm
daimonion, 11 vezes em Mateus,
14 em Marcos, 23 em Lucas e 6 em João. A palavra daímon
(daímones, em plural) aparece uma única vez nos Evangelhos.
Parece
importante o fato. Daimónion é
forma neutra. É fácil ver nas expressões evangélicas que daimónion
não se concebe como ser pessoal, mas como coisa, algo impessoal.
Sublinhou há tempo Trench: "Dáimon
ou daimónion... não são
eqüivalentes". A mesma tese defendem Hafner, e Smit, Foerster etc.
No
único caso em que os Evangelhos (Mt 8,31) usam o termo daímones,
é porque os demônios tinham sido identificados com os homens
"possessos" como se formassem uma só coisa com eles. Eram os
dois "possessos" - demônios e homens numa unidade -
que gritavam: "Que
tens a ver conosco, Filho de Deus? Vieste aqui para nos atormentar?"
Eram os "possessos" - uma unidade visível como humana - os que
"eram tão furiosos que pessoa alguma ousava passar por ali".
Evidentemente que eram os homens - "possessos", sim, mas homens
- os que atacavam os transeuntes. Eram eles os que viviam no cemitério...
Por isso aqui se emprega o termo pessoal daimones.
Em
vez de "possuídos por demônios", as traduções deveriam dizer
"afligidos por forças nocivas" ou "vexados por transtornos
malignos", ou outras expressões eqüivalentes. Termos imprecisos,
meio misteriosos..., designam com mais precisão o que na época se
entendia por daimonion. Não
levam o leitor moderno a pensar erradamente em anjos rebeldes, demônios,
divindades, espíritos..., atormentando os doentes.
"Traziam
todos os que eram acometidos por doenças diversas e atormentados por
enfermidades, bem como endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os
curava" (Mt 4,24);
"Trouxeram-lhe um endemoninhado cego e mudo. E ele o curou"
(Mt 12,22); "'A minha filha está horrivelmente endemoninhada'... E a
partir daquele momento sua filha ficou curada"
(Mt 15,22,28); "Eu o trouxe aos teus discípulos, mas eles não foram
capazes de curá-lo... Jesus o
exconjurou e o demônio saiu dele. E o menino ficou
são (curado) a partir desse momento" (Mt 17,16-18); "Os
atormentados por espíritos impuros também eram curados"
(Lc 6,18); "Curou a
muitos de doenças, de enfermidades, de espíritos malignos" (Lc
7,21); "Os Doze o acompanhavam, assim como algumas mulheres que
haviam sido curadas de espíritos
malignos e doenças" (Lc 8,1-2); "As testemunhas então
contaram-lhe como fora salvo (como
tinha sarado) o
endemoninhado" (Lc 8,36); "Jesus, porém, conjurou severamente o
espírito impuro, curou a criança
e a devolveu ao pai" (Lc 9,42); "Trazendo doentes e atormentados
de espíritos impuros, e todos eram curados"
(At 5,16).
Saram
e se curam doentes.
Expulsam-se, portanto (ou saem, vão embora, abandonam, deixam os corpos -
expressões também bíblicas), as doenças.
Diagnóstico
expresso. Mais ainda. Freqüentemente os Evangelhos junto ao termo
"endemoninhado" apresentam também expressamente o nome concreto
da doença de que se trata.
A
respeito do "endemoninhado" curado "pelo poder de Beelzebul"
(2Lc 11,14) diz que "Jesus expulsava um demônio que era mudo. Ora,
quando o demônio saiu, o mudo falou".
As palavras de Mateus são quase idênticas em um caso (Mt 9,32s.); e em
outro caso diz: "Então trouxeram-lhe um endemoninhado cego
e mudo. E ele o
curou..." (Mt 12,22). Do menino para quem seu pai pedia piedade
"porque é lunático" (Mt
19,14), o pai diz também: "Meu filho tem um espírito mudo". E
Cristo íntima ao "espírito mudo
e surdo" (Mc 9.17-25).
Talvez devamos acrescentar o caso do "endemoninhado" gergeseno:
dizer que ficou "no seu juízo" (Mc 5,15 e Lc 8,35) é quase
expressamente dizer que antes tinha algum tipo de loucura.
Em
outras ocasiões, pela descrição dos sintomas, é possível diagnosticar
a doença concreta, como fiz no caso do "endemoninhado" na
sinagoga de Cafarnaum. Quando não se pode deduzir qual é a doença que
sofre o "endemoninhado" é só porque os evangelistas nenhum
dado, nenhum sintoma apresentam.
Ora
se nomeia expressamente, ora se deduz a doença que sofrem os
"endemoninhados". Havendo uma possível explicação natural,
deve-se excluir qualquer interpretação demoníaca.
Balducci,
apresenta como supremo argumento que "Jesus e os evangelistas de modo
explícito entre cura dos doentes e expulsão dos demônios... Deve-se
especialmente sublinhar (a passagem) na qual Jesus dá aos seus discípulos
o poder de expulsar os demônios distinguindo-o claramente daquele de
curar os doentes".
Nove
textos neotestamentários poderiam ser citados. Em todos eles é cabível
a distinção entre doenças internas e externas, perceptíveis e
imperceptíveis.
É
o que basta em três textos de Marcos:
1)
"Ao entardecer quando o sol se pôs, trouxeram-lhe todos os que
estavam enfermos e endemoninhados... E ele curou muitos doentes de
diversas enfermidades e expulsou muitos demônios" (Mc 1,32,34).
2)
"Expulsavam muitos demônios, e curavam muitos enfermos, ungindo-os
com óleo" (Mc 6,13).
3)
"Estes são os sinais que acompanharão aos que tiverem crido, em meu
nome expulsarão demônios..., imporão as mãos sobre os enfermos, e
estes ficarão curados" (Mc 16,17s.).
Explicação
sob rótulo amplo. Em relação aos outros seis textos, só encaixa
perfeitamente a distinção entre doenças perceptíveis e imperceptíveis.
Não cabe distinção entre doenças e endemoninhados.
4)
O texto de Mateus (8,16) de acordo com o original é: "Ao entardecer,
trouxeram-lhe muitos endemoninhados, e ele com sua palavra expulsou os espíritos
e curou a todos os que estavam mal".
Não
se está falando de outros tipos de doentes, mas unicamente dos chamados
endemoninhados. "trouxeram-lhe muitos endemoninhados", não se
diz que lhe trouxeram também doentes (outra classe de doentes). A frase a
seguir pode ser uma explicação da cura destes endemoninhados, só deles se fala: "Ele expulsou os espíritos e curou a todos que
estavam mal"; poderia interpretar-se no sentido de que entre os
"endemoninhados" alguns se encontravam então mal, por exemplo
tendo convulsões; outros endemoninhados estavam então tranqüilos. O
sentido seria: "Ao entardecer trouxeram-lhe muitos doentes desses que
se chamam possessos. Com sua palavra ele curou a todos, mesmo os que
estavam em crise".
Em todo caso, se a exegese que proponho fosse
forçada, o texto admitiria a distinção entre doenças internas e
externas.
5) Exata inversão da ordem entre os sinônimos
fazem os Atos dos Apóstolos: sob o rótulo de enfermos arrolam-se também
os "endemoninhados": "Deus operava pelas mãos de Paulo
milagres extraordinários, a tal ponto que bastava que se aplicassem sobre
os doentes lenços e aventais
que tivessem tocado seu corpo; então, as doenças os deixavam e os espíritos
maus se retiravam" (At 19,11s.).
Isto poderia significar o seguinte:
"Paulo curava, até pelo contato de suas roupas, todo
tipo de doentes: tanto as doenças externas como as internas". Os
chamados possessos, repetimos, são incluídos sob o rótulo geral de
doentes.
Estilo
reiterativo. É estilo coloquial, enfatizante:
6) "Deu-lhes autoridade de expulsar os
espíritos imundos e de curar toda a sorte de males e enfermidades"
(Mt 10,1). Não se quer contrapor "todos os males" (outra tradução
seria: "todas as doenças") a "todas as enfermidades".
7) "Curai os doentes, ressuscitai os
mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios"(Mt 10,8). Os
"leprosos" não são doentes ou enfermos? Enfermidade e doença
não são sinônimos? Assim também os "possessos" são um tipo
a mais de enfermidade.
Poderíamos
traduzir livremente esses dois textos de Mateus assim: "Conferiu-lhes
poder de curar todo tipo de doentes ou enfermos, inclusive leprosos e
esses outros mais graves ou misteriosos chamados possessos, até sobre a
última e mais grave doença, a própria morte".
8) este estilo reiterativo, de acumulação,
enfático que não implica contraposição exclusiva entre doenças e
possessões, é manifesto em outro texto do Evangelho de Mateus (4,24):
"Traziam todos os que eram acometidos por doenças diversas e
atormentados por enfermidades, bem como endemoninhados, lunáticos e paralíticos.
E eles os curava".
9) Idêntica consideração para os Atos dos
Apóstolos: "De muitos possessos, efetivamente, saíam os espíritos
impuros, dando grandes gritos. Numerosos paralíticos e aleijados foram
igualmente curados" (At 8,7s.).
Os paralíticos são doentes. Os aleijados também. Também os possessos.
"Isto
é". A exegese por explicitação sob rótulo mais amplo é
proposta pela maioria dos autores que rejeitam a interpretação demonológica.
Está de acordo com o grego bíblico. Se bem se observa, explicitação e
estilo reiterativo não se excluem, antes se identificam às vezes.
"Muitos deles diziam: Ele tem um demônio! Está louco!" (Jo
10,20). No original grego há um Kai.
A tradução literal seria por meio da conjunção "e". Mas
seu sentido, segundo os puristas gregos, muito provavelmente seria epixegético
ou explicativo (e às vezes reiterativo).
Deveria ser traduzido, se não fosse
dissonante nas línguas vernáculas, por "isto é", "e
portanto", 'quer dizer", "ou", "ou seja"
etc.: "Ele tem um demônio, isto é, está
louco". Esta tradução se confirma com a que deveria Ter
em outros textos: "Pois de sua plenitude todos nós recebemos, quer
dizer, graça" (jo 1,16). "Se conhecesses o Dom de Deus, ou
seja, quem é que te diz 'dá-me de beber!" (Jo 4,10).
"Dizei à filha de Sião: 'Eis que o teu rei vem a ti, manso, e
portanto, montado em um jumento, ou
em um jumentinho filho de uma jumenta'" (Mt 21,5).
Nesse sentido explicativo e reiterativo, além
do texto demonológico antes citado, poder-se-iam traduzir cinco outros
textos excluindo-se neles qualquer distinção entre doentes e possessos.
Inclusive só se falaria de "possessos", reiterando a expressão.
Interessaria ao evangelista destacar para seus leitores este aspecto, dada
a quantidade de curandeiros exorcistas que pululavam, que curavam sempre
por meio de exorcismos. Exorcizar seria eqüivalente
a curar.
1) "Ao entardecer, quando o sol se pôs,
trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos, isto
é, endemoninhados... E ele curou muitos doentes de diversas
enfermidades (inclusive internas), isto
é, expulsou muitos demônios. Não consentia, porém, que os demônios
falassem, pois eles o conheciam" (Mc 1,32-34).
2) Também no texto paralelo de Mateus
(8,16-17). "Ao entardecer, trouxeram-lhe muitos endemoninhados, e ele
com uma palavra, expulsou os espíritos, ou
seja, curou todos os que estavam enfermos (inclusive de doenças
internas), a fim de se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: Levou
as nossas enfermidades, quer dizer,
carregou nossas doenças" (Mt 8,16-17)
3) "Chamou os doze discípulos e
deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos imundos, isto
é, de curar toda sorte de males ou enfermidades"(Mt 10,1).
4) Também no texto paralelo de Lucas:
"Convocando aos Doze, deu-lhes poder, isto
é autoridade sobre todos os demônios, isto
é, para curar (inclusive este tipo de) doenças" (Lc 9,1), todas
as doenças.
5) "Ide dizer a esta raposa: 'Eis que eu
expulso demônios, quer dizer, realizo
(toda sorte de) curas hoje e amanhã e no terceiro dia vou terminar!"
(Lc 13,23).
"Vi
Satanás..." Quando os grupos dos 72 discípulos enviados dois a
dois iam voltando, todos satisfeitos porque expulsaram demônios, Jesus
lhes confirmou que se tratava mesmo de demônios? "Senhor, até os
demônios se nos submeteram no teu nome!" Jesus os felicitou dizendo:
"Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago"(Lc 10,17s.).
Parece que esta frase de Jesus não se refere
nada à expulsão de demônios. Era impossível que os discípulos a
entendessem como se referindo à expulsão de demônios, porque "em
primeiro lugar nunca se estabeleceu, nem na etapa posterior (do judaísmo),
conexão estável entre Satanás e os espíritos impuros ou demônios
causadores de doenças", afirmam os eminentes teólogos do Dicionário
Teológico de Kittel. Por exemplo, no apócrifo Testamento
dos Doze Patriarcas e nos manuscritos de Qumran, Deus é que se
identifica com os demônios causadores
de doenças (Test Rub I, 7-9; Test
Sim II, 12; Test Gad V,
9-11; IQ Gn Apoc - Qmran Gênesis Apócrifo - XX, 16-29), nunca estes demônios
são vinculados a Satã. Os "maus espíritos", que nos
testamentos de Rúben, de Simeão e de Issacar e nas regras qumranianas da
Comunidade e da Guerra estão submetidos a Satã ou Belial, são os tentadores,
os que induzem ao pecado (Test
Rub II e III; Test Sim II, 7 e III; Test
Is IV, 4; IQS IV, 9-11; IQM XIII, 11s.). Para
os discípulos, satanás e os demônios eram coisas completamente
diferentes.
A frase ou visão de
Cristo tem um significado religioso, profético, da vitória do
cristianismo sobre o mal.
Outra
falsa objeção. Os "demonófilos" objetam: trata-se de
verdadeiros demônios; "Jesus o confirma com o modo de comportar-se
com os obsessos, porque, em tais casos, com suas palavras demonstrou que
se estava enfrentando não com uma doença, mas com entidade diferente da
do doente, impondo-lhe energicamente que abandonasse aquele
paciente". Podem-se
invocar três textos: 1) Cristo, ao pé do monte Tabor, para curar o epiléptico
"conjurou severamente o espírito impuro dizendo-lhe: 'Espírito mudo
e surdo, eu te ordeno, deixa-o e nunca mais entre nele'" (Mc 9,25).
2) Para curar o louco da sinagoga de Cafarnaum, "Jesus, porém, o
conjurou severamente: 'Cala-te e sai dele'" (Mc 1,25 e Lc 4,35). 3)
Para libertar um louco furioso - ou dois - e com fenômenos
histeroparapsicológicos na terra dos gergesenos, "Jesus lhe dizia:
'sai deste homem, espírito impuro'" 9mc 5,8).
Em primeiro lugar é
excelente tática psicológica acomodar-se à mentalidade do doente para,
uma vez estabelecido o rapport, arrancá-lo
do se auto-hipnotismo. Jesus poderia saber disto por experiência.
Alguns exegetas argumentam que increnpar
(epitimáô, no original
grego) não teria sentido se Jesus se dirigisse a uma doença e não a um
demônio. Epitimáô é imposição
forte, repreensão ou ordem severa. Igualmente, quando manda calar o
"demônio" usa-se no grego o verbo phimóô,
que significa amordaçar.
Na
realidade mesmo supondo que Cristo quisesse entrar em ciência (capítulo
II)..., o mesmo verbo epitimáô que
ele usa com o "demônio", o usa quando se dirige aos ventos (Mt
8,26), ao mar (Mt 8,26), às ondas (Lc 8,24), à febre (Lc 4,39). E o
mesmo verbo phimóô, Cristo o
usa também quando se dirige ao mar e aos ventos (Mt 8,26).
Manda, prescreve, epitássó
aos "demônios" (Mc 1,27; Lc 4,36: 8,31; Mc 9,25), mas a
mesma palavra é empregada contra o vento e as ondas (Lc 8,25).
Idêntica comparação de
textos vale para a expressão freqüente nos Evangelhos: os demônios saíam
dos possessos (por exemplo. Lc 4,41). É similar a expressões como
"a febre a deixou" (Mc
1,31 e Jo 4,52), "e logo a lepra o deixou"
(Mc 1,42; Lc 5,13). Os evangelhos não chamam de endemoninhado alguém com
febre ou um leproso (é uma doença manifesta e visível externamente).
Mas dizem que a lepra e a febre o abandonam. A mesma figura que se aplica
ao espírito imundo que sai...
Com tais
expressões bíblicas não se afirma que o vento, as ondas, a tempestade,
a febre e a lepra são demônios.
Diferença
de atitude. Muitos objetam que Jesus não tocava ou não se deixava
tocar pelos "possessos" e sim pelos doentes. A mesma diferença
de atitude se encontraria nos apóstolos. Não quereriam contaminar-se com
os demônios.
Simplesmente, é provável que não seja
verdade essa distinção. O evangelista diz: "Ao pôr-do-sol, todos
os que tinham doentes: atingidos de males diversos (de qualquer
enfermidade), traziam-nos, e ele impondo
as mãos sobre cada um, curava-os. De um grande número também saíam
demônios gritando...' (Lc 4,40s.). Os atormentados
por espíritos impuros também eram curados. E toda
a multidão procurava tocá-lo,
porque dele saía uma força que a todos curava" (Lc 6,16s.).
expressões semelhantes podem se encontrar em Marcos: "havia curado
muita gente. E todos os que
sofriam de alguma enfermidade lançavam-se
sobre ele para tocá-lo. E
os espíritos impuros, assim
que o viam, caíam a seus pés e gritavam..." (Mc 3,10s.).
"Caíam a seus pés",
"prostavam-se diante dele": o costume era abraçar as pernas e
beijar os pés. Nos Atos dos Apóstolos: "A ponto de serem os doentes transportados para as praças e depostos lá em leitos e catres, a fim de que, ao passar Pedro, ao menos sua sobra cobrisse alguns deles. A multidão acorria mesmo das cidades vizinhas de Jerusalém, trazendo doentes e atormentados de espíritos impuros, e todos eram curados"(At 5,15s.).
Jesus
à vezes não tocava os doentes comuns. Por exemplo: "Eu te ordeno -
disse ele ao paralítico -, levanta-te, toma teu leito, e vai para tua
casa" (Mc 2,11). Tudo está a indicar que sem tocá-lo. Curava
doentes e ressuscitava mortos inclusive à distância. Como o filho - não
"possesso" - do oficial real (Jo 4,43-54) e o servo - não
"possesso" - do centurião (Mt 8,5-13;
Lc 7,1-10). Igual que a filha "possessa" da cananéia ou
siro-fenícia:
Eis
que uma mulher cananéia... veio gritando: "Senhor, Filho de Davi,
tem compaixão de mim: a minha filha está horrivelmente
endemoninhada"... Jesus lhe disse: "Mulher, grande é a tua fé!
Seja feito como queres". E a partir daquele momento sua filha ficou
curada (Mt 15,22-28).
Uma
mulher cuja filha tinha um espírito impuro..., lhe rogou que expulsasse o
demônio de sua filha... E ele respondeu: "Pelo que disseste (pela
tua fé), vai: o demônio já saiu da tua filha". Ela voltou para
casa e encontrou a criança atirada sobre o leito. E o demônio tinha ido
embora (Mc 7,25-30).
Jesus
curava "endemoninhados" exatamente com o mesmo procedimento com
que curava doentes comuns, e vice-versa. Com sua palavra: "Com uma
palavra expulsou os espíritos e curou todos os que estavam enfermos"
(Mt 8,6).
Não
é válida, portanto, a afirmação de que Jesus tocava os doentes e
esquivasse os "endemoninhados" E mesmo que houvesse tal diferença de atitude, ao menos em alguns casos, poderia responder simplesmente ao receio em Cristo e nos apóstolos de serem agredidos pelos "endemoninhados", convulsivos, histéricos e inclusive furiosos.
EXORCISMOS
NO EVANGELHO?
Costumes
dos exorcismos. Outra objeção dos "demonófilos":
Jesus deu aos discípulos um duplo poder: curar e exorcizar. Ele mesmo
empregava um ritual para expulsar demônios, diferente do usado em doentes
comuns.
Os
exorcistas da época tinham seus ritos peculiares. Na mitologia dos
caldeus, quando uma pessoa "comete uma falta - voluntariamente ou não
- o deus irritado abandona seu cliente, seu deus irritado sai do seu
corpo... e este, sem defesa, é vítima dos demônios-doenças".
O tratamento responde logicamente às diversas indicações
que decorrem da natureza da doença: 1º) Enternecer o
deus irritado e reconciliar o enfermo com ele; 2º) Expulsar o
demônio que tomou posse do corpo do enfermo. O perdão do deus se obtém
pela oração acompanhada da oferenda de um sacrifício; o exorcismo do
demônio, por encantamento e por purificações às vezes, mais raramente
por um sacrifício" de animais (mas mesmo
de pessoas).
Como
as palavras e os ritos tinham para o babilônio um poder concreto, todas
as cerimônias eram acompanhadas por práticas e gestos, fixados pela
tradição, que constituem ritos imutáveis. Entre as práticas
utilizadas, encontra-se a "substituição": o cordeiro é o
substituto da humanidade... O animal sacrificado tinha tomado sobre si o
pecado do doente; o deus deveria mostrar-se satisfeito.
Esta
mentalidade mágica e a prática de exorcismos na terra de Canaã, os
hebreus a tinham estampada na própria Bíblia que continuamente liam. Por
exemplo:
Quando
entrares na terra que Javé, teu Deus, te dará,
não aprendas a imitar as abominações daqueles povos. Que em teu meio não
se encontre alguém que queime seu
filho ou sua filha nem que faça presságio, oráculo, adivinhação
ou magia, ou que pratique encantamentos,
que interrogue espíritos ou adivinhos, ou ainda que invoque os
mortos, pois quem pratica essas coisas é abominável a Javé
e é por causa dessas abominações... (Dt
18,9-12). Aos antigos habitantes de tua terra santa, tu os aborreceste por
causa de suas práticas detestáveis, ritos execráveis, atos de magia
esses cruéis infamticídios,
banquetes canibalescos de vísceras
e sangue humano, esses iniciados membros de confraria (mistérios orgíacos)
e pais assassinos de vida sem
defesa, decidiste eliminá-los (Sb 12,3-5).
Estes
sacrifícios humanos com finalidade mágica e de exorcismo
Muitos
israelitas acreditavam e temiam as práticas mágicas. Precisamente porque
acreditavam e praticavam a magia e espiritismo, a Bíblia o proíbe tão
enérgica e freqüentemente.
É
significativo o episódio do rei Moab: ante o
ataque dos israelitas, imolou seu próprio filho primogênito em
holocausto sobre o muro da cidade, e os israelitas - bem provavelmente
aterrados pelos poderes demoníacos que pensavam que este sacrifício
desencadearia - levantaram o cerco da cidade e fugiram (2Rs 3,26-27).
No
Novo Testamento. A
Igreja Primitiva não teria feito exorcismos ou conjuros se não tivesse
observado essa prática entre os judeus como entre os gentios com que
convivia. Em vez de condenar, como no Antigo Testamento, essas "práticas
detestáveis, abomináveis, execráveis", preferiu purificar e
santificar o costume.
Foi
do ambiente, não de Cristo nem dos apóstolos, que a Igreja
herdou os exorcismos. Nem Jesus nem os apóstolos foram exorcistas.
Eles curavam. Só.
Exorcismo
vem do verbo grego exorkizo,
que significa conjurar, fazer jurar. (Em nome de Deus, no Novo
Testamento).
Os
exorcismos eram prática corrente entre os judeus contemporâneos de
Jesus.
Paulo
reflete o ambiente:
Se
o sangue de bodes e de novilhos e se a cinza da novilha, espalhada sobre
os seres ritualmente impuros, os santifica, purificando os seus corpos...
Segundo a lei, quase todas as coisas se purificam com sangue, e sem efusão
de sangue não há remissão (Hb 9,13,22).
Os
discípulos queixaram-se: "Mestre, vimos alguém que não nos segue,
expulsando demônios em teu nome, e o impedimos (Mc 9,38par.). É possível
que os discípulos pensassem que expulsar demônios - curar doenças
internas - só com a palavra, sem ritual e sem sangue, era uma novidade,
uma originalidade de Jesus, portanto queriam a "patente".
Na realidade, existiam conjuros - exorcismos - simplificados.
Se
os exorcistas - na realidade curandeiros - não fossem comuns, se não
fossem um hábito necessário para a mentalidade mágica dos judeus, Jesus
não poderia Ter perguntado: "Se eu expulso os
demônios por Beelzebul, por quem expulsam os
vossos filhos? (Mt 12,27par.).
Jesus,
um exorcista? O problema é saber se Jesus se acomodava à prática da
maioria com mentalidade mágico-exorcista, ou
se pertencia à reação culta introduzida pelos médicos gregos. Na realidade, Jesus Cristo nem foi exorcista nem conferiu aos seus discípulos o poder de exorcizar. Estamos nos referindo ao emprego de algumas fórmulas ou ritos especiais. Cristo simplesmente curou e deu poder de curar todas as doenças internas e externas. O
Pe. Cortés S.J. parece que é o primeiro a se insurgir contra a opinião
de que Jesus praticara exorcismos.
Jesus
curava os "possessos" (isto é, os pacientes de doenças
internas), exatamente da mesma maneira que curava os outros pacientes de
doenças externas. Com sua palavra, pela imposição das mãos, com sua
presença, pela sua autoridade. Sem exorcismos.
Em
poucos casos Jesus usou certo "ritual":
Levando-o
só para longe da multidão, colocou os dedos nas orelhas dele e, com
saliva, tocou-lhe a língua. Depois, levantando os olhos para o céu,
gemeu, e disse: Ephphatha
(Mc 7,33s.). Tomando o cego
pela mão, levou-o para fora da aldeia, e, cuspindo-lhe nos olhos e
impondo-lhe as Mãos... (Mc 8,23). Cuspiu na terra, fez lama com a saliva,
aplicou-as sobre os olhos do cego e lhe disse: "vai lavar-te na
piscina de Siloé" (Jo 9,6s.).
Mas
precisamente nestes casos trata-se de doenças externas, não de
"endemoninhados"!
Nem
se trata de verdadeiro ritual. Jesus tocava os olhos para entrar em
comunicação com o cego. Tocava os ouvidos para entrar em comunicação
com o surdo. Olhava para o céu para orar e para induzir o surdo à oração.
Nos
casos de cura de "endemoninhados" não encontramos qualquer
coisa semelhante a rituais fórmulas, esconjuros... Os pacientes de doenças
internas ("endemoninhados") curam-se simplesmente pela vontade
de Jesus.
Jesus
nunca usou o termo exorkizo.
Precisamente as duas únicas vezes que nos Evangelhos aparece é
contra Jesus: "Conjuro-te - exorkizo
- por Deus, que não me atormentes!" (Mc 5,7) diziam os "demônios"
no país dos gergesenos. E Caifás:
"Eu te conjuro - exorkizo
- pelo Deus vivo que nos declares se tu és o Messias!" (Mt
26,63). Os judeus, como os babilônios, exorcizavam, mas não Jesus. Nem
seus discípulos.
Poder-se-ia
interpretar como esconjuro, exorcismo, o modo autoritário que alguma vez
utilizaram os apóstolos para curar as doenças internas então atriuídas
aos demônios? Por exemplo no caso da escrava "que tinha um espírito
de Pitão". Frisemos que não se trata de
demônios cristãos, senão de um daimon
ou deus pagão, a serpente Pitão do oráculo
de Delfos.
Ia
fazendo apostolado. Clamando:
"estes homens são servos de Deus Altíssimo, que vos anunciam o
caminho da salvação". Fê-lo por vários dias. Por fim, Paulo,
aborrecido, voltou-se e disse ao espírito: "Eu te ordeno em nome de
Jesus Cristo: sai desta mulher". E o espírito saiu no mesmo instante
(At 16,16-18).
Exorcismo?
Então todas as curas, mesmo quando se trata de doenças externas e todos
milagres, inclusive sobre os seres inanimados, teriam que ser considerados
exorcismos! Melhor é inverter o argumento. Os aparentes exorcismos não o
são, trata-se simplesmente de curas, porque é a mesma fórmula empregada
para doença externas e outros milagres. Por
exemplo:
Vinha
então, carregado, um aleijado de nascença (além de aleijado, sendo
paralítico de nascença tinha
que ter atrofia muscular, e, portanto, percebia-se externamente a
"causa" da paralisia; nada de demônios)... Pedro o encarou,
como também João, e disse: "Olha para nós... Em nome de Jesus
Cristo Nazareno, anda!"... De um salto ficou em pé e começou a
andar (At 3, 2, 4, 8).
Nos
Atos dos Apóstolos é possível que se esteja condenado a
prática dos exorcismos. Condena-se a atitude de uns judeus expressamente
chamados de exorcistas (exorkistoi:
"Alguns judeus exorcistas percorriam vários lugares..." Eles
dirigiam-se aos "endemoninhados" com a fórmula: "Conjuro-os
- exorkizo -
por Jesus, que Paulo prega". E o autor sagrado faz questão de frisar
que o resultado de tal ato foi catastrófico para os sete filhos do
sacerdote judeu Cevas, pois o "endemoninhado" os atacou com
grande violência e tiveram de fugir nus e feridos. Destaca que após essa
lição, os praticantes de exorcismos e outras magias levaram seus livros
e os queimaram diante de todos (At 19,13-20). Jesus não deu aos apóstolos um duplo poder, de curar e de exorcizar. Deu-lhes o poder de curar. Um único poder. "Convocando os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, isto é (Kai) para curar doenças" (Lc 9,1). Marcos fala só em demônios: "Chamou a si os Doze... E deu-lhe autoridade sobre os espíritos imundos"(Mc 6,7). Mateus, explicita mais: "Chamou os doze discípulos e deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda a sorte de males e enfermidades" (Mt 10,1). Uma tradução do sentido dos três textos eqüivaleria a: "Conferiu-lhes o poder de curar toda classe de doenças". Ou, explicitando: "Deu-lhes poder sobre todas as doenças, inclusive as mais graves e misteriosas (as internas)". Jesus
em luta com Satã? Lembro-me
com saudade dos anos em que era estudante de Teologia no querido "Colégio
Máximo Cristo Rei", de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Lembro com
carinho as aulas de exegese do sábio e esforçado Pe. Balduíno
Kipper, S.J. Algumas de minhas teses
parapsicológicas lhe pareciam heréticas...
Surpresa agridoce para mim, dedicou-me uma aula inteira a tentar convencer-me de que na Bíblia se impunha a existência da possessão demoníaca: São João mostra a última razão pela qual foram tão freqüentes as possessões no período evangélico. Os demônios sabem que, com a chegada de Cristo chegou a hora fatal para eles e, portanto, tentam com toda força destruir os homens e assim perder a Jesus, para ver se é possível superar tal crise... [O texto de João a que o Pe. Kipper fazia referência é: "Vós sois do diabo, vosso pai, e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade... É mentiroso e pai da mentira. Mas porque digo a verdade não credes em mim... Se vis, porque não sois de Deus"(Jo 8,44-47)]. Estabeleceu-se a definitiva luta entre Cristo, que é da verdade, e o pai da mentira, concluía Kipper. O argumento já fora muito freqüentemente usado. "Havia uma razão especial de conveniência para que a Divina Providência" desse liberdade aos demônios nos tempos de Cristo, afirmou Smit. O Pe. Balducci explicita: De fato Jesus, que viera "para destruir as obras do demônio" (1Jo 3,8), porque com Jesus "o príncipe deste mundo será lançado fora" (Jo 12,31), devia com exemplos concretos mostrar seu poder sobre o império de Satanás, e sinais muito claros eram precisamente as expulsões de espíritos malignos...: porque, para que aparecesse a divindade de Jesus, era muito oportuna a presença de numerosos casos de possessão. Smit insiste: "Mormente Marcos prova a divindade de Jesus por estes sinais: porque Jesus, expulsando os espíritos imundos, se mostrava mais forte do que eles". "Por outra parte - continua Balducci -, era natural que Satanás... vendo-se agora obstaculizado por um inimigo tão forte e pressagiando um porvir pior, procura esforçar-se ao máximo no seu poder maléfico, de forma mais estrepitosa". Estas explicações supõem e explicam o que deveriam demonstrar. Cristo não veio a destruir as obras do demônio e a expulsar fora o príncipe deste mundo. Só em sentido metafórico. "Jesus não entendeu sua atividade como uma luta contra Satã. A Jesus só interessava a salvação dos homens e sua libertação do pecado, que nos conceitos do judaísmo daquela época estavam relacionados com Satã", personificação do pecado, mera cultura extrínseca à mensagem cristã. Havia muitos "endemoninhados" na época não porque Satã estivesse aproveitando todas suas forças, senão porque, como sempre, havia muitos doentes e, então (não antes na Bíblia) se atribuíam certas doenças aos demônios. Se a exegese de Kripper, Smit, Balducci e tantos outros fosse verdade, Cristo teria sido derrotado plenamente pelos demônios! Pois os "demônios" haveriam de continuar por séculos se "apoderando" dos homens. Por isso Cristo concedeu aos apóstolos o poder de expulsar "demônios" (Mt 10,1-8; Mc 3,14s.; 6,7; Lc 9,1; 10,17-30). Por isso fez a promessa aos que nele cressem, de expulsar os "demônios" no seu nome (Mc 16,17). Houve muitas "possessões" depois de Cristo, na época apostólica, como se testemunha nos Atos dos Apóstolos (At 5,14-16; 8,5-8; 16,16-18; 19,11-16). Houve também muitas "possessões" na época patrística, como testemunha, por exemplo, S. Justino: Porque a muitos agitados por demônios em todo o orbe e na vossa cidade, muitos dos nossos cristãos, tendo-os adjurado em nome de Jesus Cristo crucificado sob Pôncio Pilatos, os curaram apesar de não tê-los sanado nenhum outro adjutório, encantamento ou remédio. E ainda continuam a curar, quebrando e expulsando os demônios que se apoderavam dos homens.
Na época da bruxaria houve mais "possessões demoníacas" do que em qualquer outra época. Ë que o demônio continuou livrado a grande batalha contra Cristo? Continuou havendo razões especiais para dar mais liberdade aos demônios?
Seria
completamente falsa a afirmação ou o grito de vitória
de Jesus: "Agora o príncipe deste mundo será lançado
fora" (Jo 12,31). "O príncipe deste mundo está julgado" (Jo
16,11). "Para
isto é que o filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do demônio"
(1Jo 3,8). Se fosse no sentido dos "demonófilos"
que deve entender-se essa afirmação, Cristo teria perdido completamente
a batalha com o Diabo.
Não
seria um dos grandes frutos que cabe esperar do cristianismo, a libertação
dessa opressão doentia da ação dos demônios, exus, espíritos
opressores? Com Cristo começou a era da saúde espiritual moral, da paz e
da oração dirigida ao "abba", pai. Com Cristo irrompeu a "Basiléia" ou Reino de Deus, porque Cristo venceu o Satã, o mal moral. "Tudo concorre para o bem daqueles que amem a Deus", para o bem espiritual (Rm 8,28 segundo a variante da Vulgata); inclusive as doenças internas. Pe. Oscar G. Quevedo S.J. |